Logo depois da aprovação do requerimento de abertura de uma nova CPMI no Congresso Nacional contra o MST, a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) encomendou uma pesquisa ao Ibope, que ouviu 2002 pessoas de todas as regiões do país, entre os dias 12 a 16 de novembro de 2009. Para criar um novo fato político para tentar desmoralizar o MST, a pesquisa CNA/Ibope contou com a habitual complacência das principais emissoras de TV e dos grandes jornais impressos para sua divulgação. O destaque foi que 60% dos brasileiros desaprovam o MST.
A pesquisa aponta dados que sequer foram divulgados. Somente 20% dos entrevistados afirmaram conhecer bem o MST, enquanto 73% declararam conhecer pouco. Não se sabe ao certo a definição do que é ‘conhecer bem o MST’, contudo, podemos fazer algumas suposições. A primeira é que os entrevistados de algum modo já tiveram em algum assentamento/acampamento do MST, conhecem o seu funcionamento e as experiências de produção agrícola, ou os processos educativos e culturais desenvolvidos. Com isso, teriam elementos para opinar a respeito. Outra hipótese – e a mais provável – é que os entrevistados acompanham a cobertura da mídia, especialmente da televisão, sobre o MST e, portanto, estão seguros do que afirmam sobre o assunto.
Dessa maneira, levando em conta o modo como a mídia cobre os conflitos agrários, a luta do MST e sua relação com o governo e a sociedade é plausível entender o motivo por que 53% dos entrevistados associam o MST à violência. Afinal, não seria por só verem o movimento representado dessa maneira na TV?
Governo e justiça
A velhinha de Taubaté já seria capaz de prever os resultados de uma pesquisa encomendada pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO), postulante a líder dos ruralistas no Congresso Nacional, a respeito do MST. E esta não é apenas uma dedução simplista. O caráter panfletário e manipulador da pesquisa são expostos em algumas questões, que revelam as suas verdadeiras intenções.
Vejamos, por exemplo, a pergunta se o entrevistado concorda ou discorda que ‘quem já possui propriedade hoje tem o direito de escolher se quer ou não produzir nela’, ou se o mesmo está de acordo com a seguinte frase: ‘o que lhe pertence ninguém pode tomar’.
Como a grande maioria dos entrevistados concordou com tais assertivas, 77% e 87% respectivamente, a CNA pretende reiterar que a ocupação de terra é um crime – por entender que a propriedade, para todos os efeitos, é inviolável – e que a população recrimina essa ação, por isso o MST deve ser investigado e para isso conta com o suposto suporte popular.
Além de tratar questões políticas e sociais com uma perspectiva dissimulada, a pesquisa pretende tentar legitimar a violência dos proprietários rurais para defenderem suas terras. Nesse ponto, a pretensão ruralista deu com os burros n´água. Cerca de 60% dos entrevistados não concordam que os proprietários rurais utilizem dos seus meios para evitar as ocupações (ou seja, repudiam jagunços e grupos armados). Somente 4% concordam que os ruralistas devem usar dos seus próprios recursos para garantir a reintegração da terra.
A maioria acredita que a solução da questão está a cargo do governo e da justiça. Para quem historicamente se dispõe da arbitrariedade e da violência para tratar as questões sociais, os contratantes da pesquisa devem ter ficado desapontados com o resultado.
Tentativas de investigação
Na pesquisa, há mais uma tentativa desesperada dos ruralistas de relacionar o governo Lula ao MST, insinuando que as ocupações de terra são financiadas com recursos públicos. Porém, 35% dos entrevistados acreditam que o governo federal é desfavorável ao MST, dado superado apenas pela mídia, 40%, e o Congresso Nacional, 41%.
Assim, os dados indicam que a população não acredita na tese defendida pelos ruralistas, que deseja que o governo federal e a sociedade sejam contrários ao MST tanto quanto a eles. No que se refere à ocupação das terras, mesmo que sejam latifúndios improdutivos, terras griladas, ou propriedades que desenvolvem atividades ilegais, como o trabalho escravo, 68% dos entrevistados discordam desse tipo de ação do MST.
Embora 29% afirmam que a finalidade desta ação seja para assentar as famílias que estão acampadas, enquanto 66% acreditam que serve para pressionar o governo para fazer a reforma agrária. Os ruralistas tentam convencer a população que a ocupação é um crime. Por isso, devem ser combatidas com rigor, a ponto de utilizar deste argumento para a todo custo aprovar um projeto de lei que torna a ocupação de terra um crime hediondo, como o seqüestro, latrocínio e o tráfico de drogas.
E para deleite da Kátia Abreu, Ronaldo Caiado e quejandos, a pesquisa alcançou a auge esperado no seguinte item: 82% dos entrevistados afirmaram ser a favor da CPMI e 11% contra. Nesse sentido, os ruralistas entendem que a população reprova o MST e concorda que todas as tentativas de investigação, pois se trata de um movimento criminoso.
Argumento necessário
=A pesquisa também pondera ao seu público sobre os objetivos do MST, que segundo o Ibope são três: a luta pela terra; a distribuição de renda e a busca por uma sociedade mais justa e igualitária. Em termos gerais, a CNA gostaria de saber se o seu discurso conservador e contra os pobres tinha ressonância na sociedade, ou se a causa do MST era vista popularmente como justa. E 88% dos entrevistados concordam com os objetivos descritos, apesar de 57% desconfiarem que o MST esteja lutando para tais fins. Enquanto 58% acham que o MST é legítimo porque são trabalhadores querendo terra para trabalhar e morar, mas que não têm condições de pagar por ela.
Assim, os ruralistas se defrontam com a legitimidade da reforma agrária na sociedade e que a maioria da população considera justa a sua causa. Daí se justifica a incessante tentativa de usarem o artifício de criminalizar os movimentos sociais e suas lideranças, julgando-os incapazes para atingir tal fim. Apesar de utilizar variados instrumentos para tentar impedir o avanço da reforma agrária, a bancada ruralista não conseguiu o argumento necessário para inviabilizar um projeto social que conceba uma sociedade mais justa e igual e não conta com o apoio da população brasileira.
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Mestre em História Social pela Universidade de Brasília