De repente, o aposentado do INSS vê, indignado, que a concessão de 7,72% a seus parcos proventos causou quase uma histeria nos meios de comunicação do país. Além de repercutir de modo negativo a aprovação do reajuste, a imprensa o pintou como um estorvo para a nação, sem levar em conta que o aposentado foi um trabalhador que descontou contribuições previdenciárias em seu salário durante 35 anos, ou mais, a fim de pagar um plano de aposentadoria confiável para, ao final de suas atividades, ter uma vida digna.
A revista Veja, por exemplo, publicou um artigo assinado por Mailson da Nóbrega (‘A prioridade invertida’, ed. 2.169, 16/06/2010, p. 104) em que o economista, entre outras justificativas, escreve ser um mito o argumento de que quem se aposentou com mais de um salário mínimo está hoje recebendo menos. Em outro trecho do texto, ele afirma que a opção preferencial pelos idosos desde a Constituição de 1988 ‘não se justifica sequer pelo lado do combate à pobreza, pois 94,7% dos que recebem benefícios previdenciários não são pobres’. Seguiram essa linha de raciocínio os rádios, os jornais e a televisão.
Seria ético se a mídia, ao desempenhar o seu papel de informar, agisse com isenção. Lamentavelmente, não é o que se vê. Se, em lugar de eleger o aposentado o maior vilão do déficit público brasileiro, os meios de comunicação apurassem com maior rigor, descobririam que o discurso – hoje, um clichê – de que o Tesouro Nacional não tem recursos para pagar as aposentadorias não se justifica, se não como explicar os valores vultosos que migram dos cofres públicos para outros fins?
Isenção, distanciamento e neutralidade
** ‘(…) os tribunais superiores do país se propõem a dar 56% aos cem mil funcionários do Judiciário, conforme projeto de lei 6.613/2009, de autoria do próprio Judiciário, em tramitação no Congresso Nacional’ (leia aqui );
** ‘(…) o Senado aprovou no dia 17/06/2010 projeto que aumenta em 18% salários de 32.763 servidores do Poder Executivo e institui o Adicional por Participação em Missão no Exterior’ (leia aqui);
** ‘(…) seguindo o exemplo da Câmara, que elevou os salários de seus servidores, o Senado se prepara para aprovar o plano de reajuste de cargos e salários dos funcionários. A folha do Senado atualmente é de R$ 1, 7 bilhão. Se aprovado, o plano de reajuste terá impacto ainda maior em 2011: 12%.’ (leia aqui);
** ‘(…) o ex-ministro da Previdência Social, Luiz Marinho, concedeu benefícios a invasores de terra que estejam trabalhando em área invadida, incluindo terras públicas, levando o Estado a reconhecer direitos previdenciários de quem exerce atividades ilegais em propriedades alheias’ (Juliana Sofia, Folha de S. Paulo, Brasília, 22/01/2008).
Cabe aos meios de comunicação expor as mazelas da política nacional, sim. Ser parcial, jamais. Até porque não é sua atribuição publicar inverdades para agradar a quem quer que seja. O que a sociedade brasileira espera é que a imprensa, antes de publicar qualquer matéria, apure os acontecimentos com isenção, distanciamento e neutralidade, de modo que seja de qualidade superior a capacidade de selecionar e analisar os fatos para não cometer deslizes como eleger milhares de homens e mulheres aposentados como os responsáveis pelo rombo nas finanças do país.
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Jornalista, Salvador, BA