Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa se derrete pelo presidente da CBF

Em meio à enxurrada de denúncias de envolvimento com esquemas de venda de ingressos e outras peripécias ilegais, Ricardo Teixeira esteve em Natal para o 1º Seminário da Copa do Mundo no Brasil, em 2014. A escolha de Natal sediar o primeiro seminário das cidades sedes não foi por acaso – e muito menos um privilégio da capital do Rio Grande do Norte.

É visível e perceptível que a cidade não está sendo preparada para a Copa, pois o governo anterior, do PSB, sabendo da derrota em potencial nas urnas, atrasou o que já estava atrasado. O atual governo, do DEM, tenta dar seguimento e teve alguns avanços, mas algo praticamente insignificante. A prefeitura de Natal, comandada pelo PV, vê navios e não acerta em nenhuma ação. Devido a isso, a desconfiança aumenta a cada dia e, desde então, a capital potiguar vem sofrendo ameaças de perder o posto de sede da Copa de 2014.

Diferentemente do que pensa boa parte dos jornalistas, a ameaça da perda da sede não tem absolutamente nada a ver com preconceito bairrista dos ditos sulistas e sudestinos contra os nordestinos, já que existem outras três sedes, sendo uma delas, no caso Fortaleza, cogitada para receber uma semifinal. O critério é outro. Trata-se de organização e interesse dos patrocinadores e o mínimo de competência administrativa. Coisa em falta por aqui.

Demonstração barata de patriotismo

Ao chegar a Natal, o cartola Ricardo Teixeira declarou através de sua assessoria que não falaria com a imprensa. Discursando rapidamente, apenas no dia do seminário, pois já tinha outro compromisso agendado e não ficaria mais de 24h em Natal, Teixeira foi confiante e se dirigiu aos céticos. Afirmou que confia mais na Copa em Natal que nós, moradores da cidade tida como a noiva do sol. O problema não é acreditar em Natal como sede, mas sim, acreditar em Ricardo Teixeira e nos deputados da bancada do RN, principalmente Fabio Faria (PR) e Paulo Wagner (PV), que votaram no absurdo regime diferenciado de contratação, bem como no vergonhoso sigilo dos orçamentos e gastos da Copa-14 e Olimpíada-16.

Na Tribuna do Norte (19/6), foi publicada uma entrevista de duas páginas com o presidente da CBF e nenhuma pergunta foi feita sobre as denúncias escandalosas contra Teixeira e seu ex-sogro, João Havelange. Não se questionou o regime diferenciado de contratação, se os atrasos foram propositais para conseguir tal privilégio, como alguns jornalistas acreditam, ou sobre o sigilo do orçamento e dos gastos.

Não foi só a Tribuna do Norte que caiu na ladainha de Teixeira acreditar na Copa em Natal e garanti-la nessas terras, onde falta merenda escolar e os professores estão em greve há mais de um mês. Os outros jornais demonstraram, em suas respectivas capas, a mesma declaração e foto do dirigente máximo do futebol brasileiro. Alguns estavam até emocionados e criaram cadernos especiais sobre a vinda do dono, ou melhor, do presidente da CBF, colorindo suas páginas de verde e amarelo em uma demonstração barata de patriotismo, enquanto os superfaturamentos irão acontecer abaixo dos nossos narizes.

Sobre investimento de dinheiro público

A imprensa norte-rio-grandense perdeu mais uma chance de demonstrar sua consciência, como também havia perdido no caso do discurso da professora Amanda Gurgel. A imprensa tem o livre exercício, em nosso país. Perguntar não é proibido e não ofende, mas todos respeitaram a “lei do silêncio” imposta por Teixeira e ainda o estamparam como o homem confiante que livrou Natal dos boatos “preconceituosos” de perder a chance de ser uma das subsedes da Copa do Mundo.

Como venho dizendo em diversos artigos, inclusive nesse Observatório, falta a essência do questionamento para muitos meios de comunicação do RN e seus agentes e jornalistas. Falta pensar no papel social e de formador da conscientização, e não somente da opinião. Temos as exceções, claro. Mas ainda é pouco para formarmos uma sociedade capaz de entender as entrelinhas dos fatos.

O papel da imprensa é fundamental para a opinião pública, se analisados os números da pesquisa realizada pela Sport+Markt,empresa de pesquisa especializada em assuntos referentes ao esporte, que ouviu 8221 pessoas no início do mês de junho, para saber a opinião dos brasileiros sobre o investimento de dinheiro público em estádios de futebol. No total da pesquisa, 25,4% concordam, 44,7% discordam e 29,9% não tem opinião sobre o assunto.

Sem ser importunado pela mídia

O dado curioso da pesquisa, para mim, e que revela o nível de formação da imprensa e mídia do RN, é que os dois estados onde o índice de concordância foram os maiores foram, justamente, o Rio Grande do Norte e Minas Gerais, com 31% de aprovação do uso de dinheiro público, ou seja, o nosso dinheiro, para a construção de estádios de futebol, onde pagaremos uma fortuna para ser maltratados e assistir no máximo a cinco partidas da Copa.

A imprensa do RN se derreteu de amores por Ricardo Teixeira, que “garantiu” a Copa em Natal. Mas vale lembrar que ele havia garantido a abertura do torneio em São Paulo e já está à procura de outra cidade para sediá-la. Existem outros episódios que demonstram bem a força da palavra do presidente da CBF, mas que não vale a pena lembrar. O que vale, agora, é a falta de força dos veículos tradicionais em questionar coisas óbvias que todos gostariam de saber, para o bem da coletividade. Mas não importa a coletividade, só importa o nosso bairro que sediará a Copa, embora eu não acredite.

Os veículos de comunicação dormiram em berço esplêndido por uma garantia dita em palavras que são jogadas ao vento, quando se trata de dirigente esportivo. Não importa, parece, o quanto vamos pagar. A Grécia vive uma grande crise econômica, como todos sabem, e os veículos de imprensa local publicam, através das agências de notícias. Mas poucos se atentam que no meio de tantos motivos para a crise está à má organização nas contas do estado nos Jogos Olímpicos de 2004.

O fato é que se derreter de amores e ter a carência eterna de grandes eventos fez a passagem de Ricardo Teixeira ser tão tranquila, em uma suíte em frente ao mar, sem ser importunado pela mídia, e prometeu voltar no primeiro jogo da Copa de 2014, sediado em Natal. A imprensa te espera de braços abertos, Teixeira. “Vem viver Natal” [slogan usado nas propagandas da Prefeitura Municipal de Natal].

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[Bruno Rebouças é jornalista, Natal, RN]