Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A instrumentalização da religião

Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso que contamina o homem ( Mt 15.18)

Eleição guarda algumas semelhanças com a Copa do Mundo. Além do período em que são realizadas, de quatro em quatro anos, as pessoas passam a falar do assunto, emitem suas opiniões, seus veredictos. Mas a verdade é que a maioria não tem o hábito de acompanhar no dia-a-dia o futebol, nem a política.

Em conversas informais sobre política, certamente você já ouviu comentários do tipo: não vou votar em ninguém; político é tudo farinha do mesmo saco; político é tudo ladrão. Não é verdade. Há uma série de políticos sérios, éticos, que de fato trabalham visando ao bem-estar social do povo. Muitos arriscam a própria vida quando combatem tenazmente o crime, como é o caso, por exemplo, do deputado estadual Marcelo Freixo. Sua atuação parlamentar contra as milícias no Rio de Janeiro é retratada no filme Tropa de Elite 2. Portanto, não convém generalizar. Nem confundir política com politicagem, forma eticamente condenável de atuação política.

Muitos dizem: sou apolítico. Quantas vezes você já ouviu isso? Não existe o cidadão apolítico. Político todos nós somos, de uma forma ou de outra. De forma velada ou não. Política, por definição original ‘é o conhecimento, a participação, a defesa e a gestão da polis’ (cidade-Estado, na Grécia Antiga). Portanto, ser político é algo inerente ao ser humano.

Na verdade, as pessoas que não acompanham a política partidária, são suscetíveis; costumam dar crédito a boatos, factoides e assemelhados. São vítimas fáceis de sofismas.

Canção velha

Tendo como base o perfil dessas pessoas, o candidato tucano à presidência da República, José Serra, aposta todas as suas fichas. Na falta de projetos que sensibilizem o povão, e tendo como adversária uma candidata que representa um governo que mudou a estrutura social do país, imprime um tom agressivo e difamatório na sua campanha. Acusa sem provas e mente quando diz ter sido o idealizador do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador e do seguro desemprego, importantes projetos de cunho social: o primeiro foi criado pelo ex-deputado federal Jorge Uequed (PMDB-RS), e o segundo por José Sarney.

Na busca desesperada por algum tema que possa melhorar o seu desempenho, Serra trouxe para a campanha o aborto, explorando-o de todas as formas, a exemplo de pastores evangélicos e padres retrógrados e proselitistas, numa clara instrumentalização de uma questão de religiosa e de saúde pública. A questão do aborto, a descriminação das drogas, entre outros temas, não deve ser balizada por nenhum segmento religioso, tampouco ser objeto de análise durante uma eleição. O palco correto é o Congresso Nacional.

O Brasil não é um país teocrático, e sim, laico. Exemplo para o mundo. Em solo brasileiro cidadãos de todas as religiões e nacionalidades convivem na mais perfeita paz e harmonia. Mas para a oposição nada disso importa. Durante um programa ao vivo da TV Canção Nova (da Igreja católica), um padre decidiu dar sua colaboração para a campanha do candidato José Serra. Acusou Dilma Rousseff de ‘abortista’ e contrária aos princípios evangélicos. Pediu aos fiéis que não votem na candidata petista e disse ‘que o PT é a favor da interrupção de gestações indesejadas.’ Ressaltou ‘que poderia ser preso ou morto por causa das suas declarações’, como se o PT usasse tais práticas.

Com ética e sem preconceito

Ao invés de proclamar o evangelho do amor, como Jesus nos ensinou, e que certamente o referido padre aprendeu na faculdade de teologia, preferiu usar o púlpito para fazer acusações gravíssimas, de cunho político, sem qualquer base de sustentação. Afirmou também que o PT e sua candidata pretendem ‘aprovar leis que cerceiem as liberdades de imprensa e religiosa, aprovar a celebração do casamento entre homossexuais, e que têm a intenção de transformar a nação brasileira em nação comunista’.

A candidata Dilma Rousseff pediu direito de resposta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a emissora católica Canção Nova.

A despeito da maturidade do processo democrático brasileiro, ainda há aqueles que praticam uma política antiquada e antiética. Não respeitam nada, pois o que importa é ganhar. Maquiavélicos, apelam para a hipocrisia e a difamação. Como vencê-los? Votando com ética e sem preconceito.

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Jornalista, Niterói, RJ