Hoje, depois de passar 11 dias em Nova York, retorno para o Brasil, com uma sensação de ser espectadora vip de um espetáculo eleitoral, na disputa presidencial norte-americana, que em nada ficaria a dever a um show da Broadway, pelo aparato que assume cada entrevista ou discurso dos candidatos.
Também um sem número de produções cinematográficas está por toda a parte e é possível observar os detalhes do requinte quando se prepara e se apresenta, via televisão, um lauto jantar, onde Obama e McCain, devidamente trajados em fraque e gravatas brancas, trocam amabilidades e farpas, com o tom mais educado e brincalhão cabível na hora da mais séria crise financeira que se abate sobre o império do capitalismo internacional.
No programa brasileiro Manhattan Connection, o apresentador Lucas Mendes, radicado por estas bandas há décadas, questiona o que faz a diferença desta campanha e a participante Camila observa um fato novo que vem da organização do grupo do candidato Obama, que utiliza a internet como meio avassalador de atingir eleitores e incitá-los a comparecer as urnas, uma vez que o voto, nos EUA, não é obrigatório.
Ânimos acirrados
Entretanto, alertam os debatedores do programa televisivo de grande audiência entre brasileiros e latinos em geral, ainda é uma incógnita prever se essa ferramenta realmente mobilizará adultos maduros ou jovens ativistas plugados a se disporem a participar do pleito e surpreender as estatísticas – e até os resultados da disputa.
O fato marcante reporta ao momento ímpar da história americana, que é marcada pela importância da aceitação ou rejeição de presidentes, com registro de quatro assassinatos de mandatários no exercício do cargo, além de renúncia, processo de impeachment, atentados etc., como se fossem parte de um enredo extremamente fiel ao acirrado jogo que o poder abre a cada disputa entre democratas e republicanos, ao longo de décadas.
No ar pesado, entre as cotações oscilantes de Wall Street, paira também um clima de tensão velada, o mesmo que prenuncia a vitória de Obama, mas a possibilidade de que este venha a ser alvo de discórdia ou rejeição pelo conservadorismo da cultura nacional, capaz de produzir alguma louca reação, que requerá, por suposto, um forte esquema de segurança para o candidato, caso se confirmem as previsões e ele venha ser declarado o novo presidente do país mais rico do mundo.
Dá para verificar, através do calor crescente que a campanha permite detectar, que os ânimos se acirrarão um pouco mais à medida que se aproxima o dia definitivo em que o povo americano poderá eleger um representante da raça negra para a Casa Branca.
Efeito dominó da quebradeira
Não é por acaso que, entre os bottons vendidos pelos camelôs das esquinas de Nova York, por exemplo, há um que faz muito sucesso e traz os rostos de Obama e Luther King, com a inscrição da célebre e memorável frase-desabafo do líder negro assassinado: ‘I have a dream!’
Também os americanos como um todo têm um sonho renovado, agora que seu mundo capitalista se vê abalado pela quebra dos bancos, em que seu modo de vida (way of life) se sente ameaçado por uma avalancha de notícias que põem em dúvida o caminho aparentemente seguro do crédito sobre ganhos futuros. É hora de questionar a sociedade e sua febre de consumo, dizem vários articulistas nos principais jornais e comentaristas espoucam idéias de repensar o sonho americano de poder e hegemonia mundial.
Entretanto, o que se vê nas ruas, tanto da cidade síntese da corrida capitalista, que é Nova York, ou o que se pode sentir na preservada Washington, onde estive na quinta-feira (16/10), absorvendo seu clima calorento em contraponto ao pré-inverno que já atinge os 5 graus na semana que começa gelada por NY, será, com certeza, a promessa de um aquecimento promovido por mais debates, especulações financeiras e providenciais medidas de ajuda a bancos e empresas para evitar o efeito dominó da quebradeira geral.
Cavaleiros medievais
Modelo de disputa democrática, o país da liberdade, que constrói a toque de caixa uma torre imensa no lugar da tragédia do World Trade Center, já batizada de Freedom Tower e prevista para ser inaugurada no dia 11 de setembro do ano em que o atentado às torres gêmeas estará completando exatamente 11 anos, parece não deixar passar em brancas nuvens sua sede hegemônica e adaptará sua guerra interna de valores ao mundo globalizado que inclui a internet como ferramenta tão importante no século 21 como foi a indústria cinematográfica hollywoodiana no século 20.
Obama e McCain seguem seus caminhos em torno da disputa do comando do país assumindo o papel de verdadeiros cavaleiros medievais a defender as cruzadas dos bons resultados econômicos, das mudanças sociais, da cobrança de taxas e impostos com melhores e mais justas adequações por classes e níveis financeiros da sua população e de olho na riqueza produzida pela força do trabalho imigrante, que soma números que também fazem a diferença nas terras do Tio Sam.
Palpite e torcida à distância
As mulheres se buscam espelhar em duas figuras antagônicas, representantes de democratas e republicanas, atreladas oficialmente aos programas dos dois candidatos. Hillary Clinton e Sarah Palin não se furtam a emprestar suas imagens fortes a um jogo de cena, em que o voto pode ser buscado no inconsciente feminino das mães, donas de casa, mulheres profissionais ou executivas bem sucedidas, entre muitas que também questionam agora sua parcela importante de contribuição nos rumos da nação.
Na internet, também, as piadas feitas sobre elas ocupam espaços galhofeiros, tanto quanto dos candidatos principais, remetendo a brincadeiras e piadas de ocasião, no intuito claro de captar simpatias ou acirrar rejeições.
No mundo globalizado, a campanha presidencial norte-americana desloca o eixo interno do país do tio Patinhas e assume caráter tão internacional que incita cidadãos de inúmeros países a palpitarem e torcerem, à distância, por Obama ou por McCain, ou, em último caso, a acompanharem atentamente o desfecho de tão intenso momento por que passa a sociedade que, há muitos anos, inventou a indústria automobilística, o show do Oscar e a própria internet, este instrumento que virou o Big Brother na consciência da massa plugada mundial.
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Jornalista