O ano é 1968, data que marca o Ato Institucional número 5, o AI-5, que estabeleceu a censura prévia aos meios de comunicação. O regime militar instaurado no Brasil tinha a palavra final sobre o que poderia efetivamente virar notícia. O que não era de interesse dos militares, não passava pelo crivo ditatorial e era prontamente substituído por qualquer outro texto sem representatividade ou que justificasse sua publicação. Foi a época em que notícias e artigos foram substituídos por poesias e dicas culinárias. Um dos jornais que provou o modo repressor de se fazer jornalismo foi O Estado de S. Paulo, que teve ‘censores’ instalados na redação conferindo tudo.
Setembro de 2009. O Brasil está a pouco mais de um ano de promover eleições gerais para escolher diretamente integrantes do Congresso Nacional, os governadores e o presidente. Após os chamados ‘anos de chumbo’, iniciados na década de 1960 com a tomada de poder pelos militares, o país derruba o cerceamento à liberdade depois de 20 anos de repressão. Em 2010, o Brasil passa pelo sétimo processo eleitoral direto para escolher os representantes para cargos nacionais. Momento que representa o amadurecimento e fortalecimento das bases democráticas, um processo para o qual a imprensa tem papel decisivo na mobilização e formação dos cidadãos-eleitores.
Assim como os brasileiros conquistaram o direito de escolher seus representantes, a imprensa também conseguiu conquistar sua independência e liberdade nesse período de transição para a democracia. Na primeira década deste século 21, no qual a privação da liberdade de imprensa supostamente não seria um tema recorrente para debates e discussões, a certeza de que com a democracia viveríamos tempos de real independência e liberdade. Ledo engano. A censura prévia paira sobre as redações de norte a sul do Brasil. Agora não são os militares, mas os interesses políticos e econômicos que estão em jogo. As relações de poder é que determinam o que será ou não publicado.
A volta de Camões?
Apesar deste panorama obscuro, é ainda graças ao trabalho jornalístico que muitos fatos são revelados, denúncias e escândalos que ganham as páginas dos jornais repercutem e esboçam algum tipo de ação por parte das autoridades, pelo menos explicações perante a opinião pública. Há quase três meses o Brasil acompanha o escândalo dos atos secretos do Senado Federal. Mais um das muitas falcatruas que vêm de Brasília, mas que dificilmente alteram o ritmo da corrupção e do descaso com a população, em que interesses particulares são a grande preocupação em detrimento dos interesses coletivos.
No centro desse novo escândalo, o presidente do Congresso Nacional, José Sarney. Por meio de atos secretos, o clã Sarney pode se instalar ainda mais no poder. Com seus mandos e desmandos, Sarney, que foi o primeiro presidente pós-ditadura, instalou no pouco desenvolvido estado do Maranhão sua própria República. Difícil entender, mas atualmente Sarney é senador pelo estado do Amapá. Porém, esse não é o problema maior. Em sua terceira passagem como presidente do Senado, enfrenta certamente o período mais turbulento. A cada dia surge uma denúncia, irregularidades que fragilizam não somente a figura de Sarney, mas, pior, levam cada vez mais ao descrédito o legislativo brasileiro. Como renunciar parece não estar entre as opções, ele segue na presidência aproveitando-se da camaradagem e corporativismo de seus colegas do conselho de (sem) ética.
Na tentativa de calar, encerrar o assunto e fazer mais uma vez valer a máxima brasileira do ‘nunca dá em nada’, a família Sarney, aparada pelo judiciário, estabelece a censura prévia. A vítima da vez é o Estadão, que está proibido, sob o risco de pagar multa, de publicar informações que denigram a combalida imagem do clã Sarney, principalmente as negociações que envolvem Fernando Sarney. Calar a imprensa é uma medida injustificável para um país que adota a democracia. Para quem já experimentou o gosto amargo da repressão, do cerceamento a liberdade, proibir uma das maiores publicações do país de levar aos leitores informações que ao que tudo indica foram realmente apuradas, vide a credibilidade alcançada pelo Estadão, é um retrocesso. A liberdade de imprensa, no entanto, não justifica os erros e exageros, o sensacionalismo barato. Não mascara a incompetência e a falta de apuração. Liberdade de imprensa não deve ser confundida com liberdade de empresa. Infelizmente, nesse jogo de forças pelo poder, quem realmente perde é o público, que fica à mercê da censura velada. Depois da volta, o que podemos esperar? A volta de Camões ou uma receita de bolo? Qualquer coisa, menos o que os leitores realmente procuram: notícias apuradas com ética e profissionalismo.
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Estudante de Jornalismo, Centro Universitário de União da Vitória, PR