Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A luta armada e o tiroteio eleitoral

A revista Época chega às bancas neste sábado (14/8) com uma matéria de capa sobre a participação da presidenciável Dilma Rousseff na luta armada. Eumano Silva, um dos autores (ao lado de Leandro Loyola e Leonel Rocha), é meu velho conhecido e colega de editora: em parceria com Taís Morais, escreveu Operação Araguaia. A reportagem em si é reconstituição histórica, a mais objetiva e neutra possível se considerarmos as limitações da grande imprensa. A Veja, tratando do mesmo assunto, decerto produziria um aberrante panfleto ultradireitista.

Cheguei a dar depoimento um tanto inconclusivo, já que conheci brevemente a Dilma durante o Congresso de Teresópolis da VAR-Palmares (outubro/1969) e nossos caminhos jamais se cruzaram de novo. Não acrescentaria mesmo nada e Eumano fez bem em deixá-lo de lado.

Mas, independentemente da integridade ou não do trabalho jornalístico, o tema é espinhoso para Dilma e para o PT. Daí, ela ter se recusado a atender aos pedidos de entrevista da Época e a deplorável nota que sua assessoria de imprensa emitiu:

‘Dilma não participou [de ações armadas], não foi interrogada sobre o assunto e sequer denunciada por participação em qualquer ação armada, não sendo nem julgada nem condenada por isso.

Dilma foi presa, torturada e condenada a dois anos e um mês de prisão pela Lei de Segurança Nacional, por `subversão´, numa época em que fazer oposição aos governos militares era ser `subversivo´.’

As falsas acusações das ‘viúvas da ditadura’

Quantas ressalvas! Na minha humilde opinião, de tudo que li na reportagem o trecho mais nocivo à imagem de Dilma é este, pois, em contraste com sua verdadeira trajetória, nem de longe mostrada de forma negativa, soa terrivelmente falso. Ambos, Dilma e o PT, têm preferido deixar o passado no limbo, como um estorvo, do que explicar francamente às novas gerações que o Brasil de Médici chegava a lembrar, em muitos aspectos, a Alemanha de Hitler, a Espanha de Franco ou o Chile de Pinochet: um festival de horrores e atrocidades.

Para não se indisporem com velhos gorilas e novos autoritários, eles não dão, salvo quando a imprensa e os adversários políticos os encostam na parede, o merecido destaque às bestialidades que os tiranos cometeram, nem à bravura dos que os combateram. Então, quando as viúvas da ditadura acusam falsamente Dilma Rousseff de assaltar bancos, sequestrar diplomatas e outras ações armadas, as novas gerações, desinformadas, tendem a vê-la e julgá-la a partir dos parâmetros atuais, como se tivesse sido uma criminosa do PCC.

Se soubessem que enfrentávamos algo próximo a uma Gestapo, em condições de extrema inferioridade de forças, poderiam nos olhar como os franceses olham sua Resistência, dela orgulhosos por haver salvado a honra do país.

Fugir do dever, entretanto, nunca é resposta para nada. O dever de quem enfrentou a tirania é manter viva a lembrança dos anos de chumbo, até para criar, nos que vieram depois, anticorpos contra o totalitarismo. Esquivando-se do assunto em circunstâncias mais amenas, os petistas serão obrigados a se defrontarem com ele no auge da campanha eleitoral.

Então, é o momento de abandonarem de vez as esquivas, declarando em alto e bom som: quem resistiu à ditadura mais brutal que o Brasil conheceu tinha todo direito de pegar em armas contra os déspotas e merece, acima de tudo, o reconhecimento da cidadania. E isto vale tanto para Dilma, que não entrou na ação direta, como também para Carlos Lamarca, Carlos Marighella, Eduardo Leite, Devanir de Carvalho e outros que usaram a força contra um inimigo que pela força usurpou o poder e pela força nele se mantinha: todos eles, indiferenciadamente, foram heróis e mártires deste sofrido país!

Nada de tergiversações. Quem participou da luta armada, cumpriu as funções que seu agrupamento lhe designou. Se, como Dilma e eu, acabou recebendo outras incumbências, isto era irrelevante do nosso próprio ponto de vista e só estabelecia distinções entre nós aos olhos do inimigo, quando tratava de nos enquadrar nas suas leis draconianas, características de um regime de exceção.

Então, a postura digna nunca será a de se desculpar com afirmações tipo ‘estava lá, mas não fiz isso ou aquilo’, mas sim, a de proclamar que ‘estava lá e faria tudo que fosse necessário porque nossa luta era justa e confrontávamos o despotismo mais hediondo’. É o mínimo que podemos fazer, pela nossa honra e por respeito aos companheiros que tombaram.

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Jornalista, escritor; seu blog