Há pelo menos duas décadas a literatura brasileira contemporânea sofre uma disputa por sua hegemonia, acirrada nos últimos dois anos, entre catedráticos e novos escritores. Há uma verdadeira guerra de palavras entre escritores e críticos universitários; e quem sai ganhando, bem ou mal, é a literatura que, aos poucos, volta à cena literária das discussões que são tão importantes quanto a escrita para a própria literatura.
É uma briga na qual não tomo partido, pois parto do princípio que o crítico literário deve, antes de expor qualquer postura ideológica, observar e se posicionar sobre a produção do seu tempo com senso literário. Senso esse que se forma quando o crítico volta seu olhar para o passado e reconhece no presente a herança recebida, porém investida com a estética que o Agora requer. Caso fosse escritor também não tomaria partido nessa briga; seguiria a sábia atitude do nosso Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis, de não rebater críticas, e sim, trabalhar a linguagem, sem a inocência e ignorância de achar que está criando o novo. Quem rebate crítica é menos escritor do que debatedor.
A crítica universitária tem perdido bastante espaço, seja para jornalistas, em seus meios impressos e virtuais, ou para os círculos de amizades literárias. O espaço perdido se refere à voz. A crítica já não é mais, na contemporaneidade, a única voz que emite valor sobre uma obra. O espaço perdido é quase fruto de uma ação voluntária da crítica contemporânea, que por vezes se coloca acima das produções do Agora na medida em que as despreza.
Uma ideia pueril
Entretanto, não vejo a ausência da crítica como algo que escritores não estejam se importando. Ao contrário, eles sentem falta da atenção que a Academia deveria dispensar às obras do Agora. O que os catedráticos fazem é uma crítica canonizada, sedimentada somente no passado, mecanicista de um “copiar-colar” que fecha os olhos para a necessidade do presente em andamento, que exige formas de trabalho com a linguagem mais marginal na sua estética.
Claro que os críticos do Agora sabem disso, porém o que está em jogo é uma hegemonia no mercado intelectual. Isto corrobora para que a crítica se abstenha de emitir juízo de valor sobre uma obra não canonizada. Por outro lado, os escritores sentem a necessidade de serem autores e críticos de seus filhos anunciando assim o divórcio da literatura e da universidade, requerendo para o grupo o título de “guardador da literatura”.
A crítica contemporânea pouco se volta para os escritores “canonizados” do presente, são autores, sobretudo, que surgiram na década de 90 do século passado; deslumbro nas universidades, em cursos de pós-graduação em Letras, pesquisadores interessados por essa escrita do Agora. Entretanto, é lícito que aqui fique claro que tais pesquisas só abordam um número mínimo de autores; são estudos mais frequentes nas universidades do sudeste do país; são autores que estão se consolidando pela mídia e alguns desses estudos são de ordem comparativa com obras já consagradas.
Não deixa de ser uma aposta que os novos pesquisadores estão fazendo em cima da escrita do Agora. Não buscam tomar a literatura para si, mas serem referência quando na posterioridade se falar da literatura do Agora. Então, há uma brecha aí para os autores contemporâneos deixarem de lado a ideia pueril de separação entre a universidade e a literatura.
A dependência de nossos escritores
Assim como a literatura renova sua escrita com uma nova geração de escritores, ela também renova o quadro dos críticos literários. A disputa pela hegemonia literária também se dá em pequenas escalas dentro dos cursos de Letras; os alunos das universidades localizadas no nordeste por vezes deparam com um termo nada agradável, “regionalismo”, coisa também que se estende a produção de escritores do Agora daquela região, e também não os agrada.
De fato, não irá agradar mesmo, pois tomando para si a alcunha de escrita regional, a crítica também será regional, e pior, parecerá escrita não do Agora, mas de um tempo que não se encaixa em lugar algum, submissa às ideias dos grandes centros de divulgação cultural. Então, creio que há dentro dos cursos de Letras uma disputa também, mas de críticos, de definir não só o lugar do curso de Letras na literatura, bem como de qual crítica deve ser considerada.
Fato é que a crítica universitária, aquela canonizada dentro dos cursos de Letras, não pode ser subestimada pelos escritores, de fato nossa escrita ainda não nos mostrou algo de relevância, não é a roda de amigos literários que irá mudar isso. É preciso acabar com essa dependência que os nossos escritores têm de serem aceitos, porque a crítica, seja a acadêmica ou a nova, estará sempre atrás, no mínimo, uma geração da escrita do Agora.
Discussões livres e democráticas
Os blocos de escritores que se formam também almejam a hegemonia da literatura, a crítica passou a ser vista como ameaça mais próxima. Note-se, por exemplo, o processo de escolha dos autores que irão fazer parte desses blocos; o próprio termo “regional” é uma consequência real quando se formam grupos de autores que buscam a fatia maior da literatura. Não infere com isso que os autores tenham inventado o termo “regionalismo”, mas que de uma forma inconsciente eles contribuem para aquilo que eles são contra, uma divisão na literatura de ordem espacial.
Estes escritores esquecem que literatura é fruto de um trabalho em solidão, e como tal o bom literário é aquele que escreve não por almejar a glória, mas por querer divulgar a literatura, expandi-la, sentem a necessidade de escrever, é romântico isso? É sim, ainda mais num tempo em que há tantas escritas lutando para ser “criticadas”, mas o tempo vem mostrando que nossas melhores letras advêm de um trabalho constante da linguagem, em silêncio.
Para críticos essa disputa beneficia a própria crítica acadêmica na medida em que dentro das universidades sua aceitação e consolidação se sedimentam como um caminho a seguir pelos estudantes. Alunos estes que necessariamente não concordam com tais posturas, mas a seguem devido às normas acadêmicas exigentes dos cursos de Letras. Parece um paradoxo? De fato o é; como a crítica universitária pode fazer refém dela mesmo os seus usuários quando, ao contrário, deveria proporcionar discussões livres e democráticas?
Literatura, e não discursos
E os nossos escritores do Agora que tentam um caminho do cânone – termo que necessita de um artigo exclusivo – estão preocupados com a literatura ou engajados com um rompimento com a universidade na tentativa de tomar para si o direito e o lugar do crítico? Qual é o lugar do escritor e do crítico no espaço literário? São indagações aparentemente simples, mas que no presente ainda me parece uma briga por atenção, entretanto nem os escritores contemporâneos têm se dedicado a um trabalho da linguagem pouco importando com a crítica, nem os críticos têm feito crítica com senso literário, continuam calcados em teorias e obras consagradas que visam sempre à comparação com o Agora e esquecendo-se da nossa linguagem, espaço e história atual que exigem novas formas de trabalho na literatura.
Assim nossos críticos tendem a nivelar a produção contemporânea por baixo, pois ainda estão presos a comparações, baseadas em obras e teorias canonizadas, que não levam em conta a necessidade que o autor do nosso tempo tem. Por outro lado, se eu fosse escritor tomaria partido pela literatura, não por discursos.
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[Chico Arruda é mestrando em Literatura Brasileira, professor e cronista]