Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A maioria descontente

O que as mulheres e os jovens têm em comum? São os mais insatisfeitos com o governo Lula. O dado está na pesquisa CNI/Ibope, divulgada em 21/9 pela Folha de S. Paulo: ‘A desaprovação ao governo foi manifestada por todos os segmentos pesquisados. Os movimentos mais sensíveis ocorreram no segmento feminino, entre a população jovem e na faixa de 25 e 34 anos, no segmento de escolaridade com ensino médio, no Sudeste e na periferia’. A imprensa mais uma vez ignorou as mulheres, ao considerar importante apenas o fato de os menos escolarizados serem mais favoráveis ao governo: ‘Os mais generosos com o presidente estão na base da pirâmide social’ (O Estado de S. Paulo, 25/9).

Ao ignorar o fato de que mulheres e jovens são os mais descontentes, perdeu a oportunidade de descobrir por que esse contingente – mais da metade da população brasileira e, portanto, a maioria dos eleitores – está tão descontente com o governo que certamente ajudou a eleger. Por que justamente entre as mulheres e jovens o governo está tão mal? Eleitores que, embora possam decidir uma eleição e mudar a cara do país, não parecem ter a menor importância.

Além de descobrir as causas do descontentamento seria importante saber como esses eleitores vão escolher seus candidatos na próxima eleição. Se a economia vai bem – como insistem em dizer os analistas e a própria mídia – por que tanto descontentamento? Será que mulheres e jovens dão mais importância à ética? Ou será que essa postura só vale porque se sentem marginalizados do poder? Se tivessem oportunidades iguais teriam outra atitude?

Figuras folclóricas

Talvez a imprensa não discuta o assunto seriamente – entrevistando os descontentes – porque sabe que, apesar do peso na hora de votar, as mulheres perdem feio para os homens na hora de serem votadas. Em 2004 foram eleitas 6.555 mulheres no Brasil (entre vereadoras, prefeitas, deputadas estaduais e federais e senadoras). Para os homens ficaram 45.238 cargos. Ou seja, 12,65% de representantes do sexo feminino no poder. Isso embora a mulher no Brasil tenha direito e votar e ser votada desde 1933.

É como se houvesse um acordo silencioso dos meios de comunicação para continuar mantendo as mulheres em sua situação de cidadão de segunda categoria, que não representa perigo. A mídia silencia e os partidos, obrigados por lei a reservar 30% de suas vagas para as mulheres, também fazem o jogo. Usam o fato de ter mulheres em seus quadros como marketing. Um marketing valioso na hora de ir para a televisão pedir votos, pois podem dizer que não são sexistas. Especialmente porque sabem que, mesmo eleitas, elas não vão tirar o espaço reservado a eles no Congresso e na mídia.

Em minoria no Congresso, deputadas e senadoras ganham comissões que tratam de assuntos femininos, de pouco ou nenhum destaque, e acabam se transformando em figuras folclóricas quando aparecem, como no caso das CPIs. Fala-se da roupas delas, do choro, dos gritos, e pouco, muito pouco, de sua atuação enquanto representantes populares.

De cara mudada

O resultado é que, para a grande maioria das mulheres, fica a ilusão de que, se as mulheres fossem maioria no Congresso, certamente não estaríamos mergulhados nesse mar de corrupção dos dias de hoje. Afinal, quando se fala de compra de votos, dinheiro no exterior etc. etc. não há congressistas envolvidas.

(Seria bom poder acreditar nisso mas é bem possível que a corrupção não tenha sexo nem idade. É só ver as denúncias sobre as campanhas da senadora Ideli Salvatti e da filha do deputado Severino, ela mesma deputada estadual, para perceber que, se existe diferença, é apenas porque as mulheres ainda são minoria no poder.)

O que falta, na imprensa, é a sensibilidade para perceber que os dados da pesquisa revelam mais do que o fato de o governo ter aprovação maior entre os menos instruídos – entre os quais também se incluem mulheres e jovens. Falta sensibilidade para perceber que as mulheres, há muito tempo, deixaram de ser massa da manobra dos homens. Elas trabalham, ganham dinheiro, têm cargos importantes nas empresas e começam a ter seu lugar na política. Ainda são minoria, mas não são, como tentou fazer crer a mulher de Marcos Valério, as donas de casa que deixam as decisões importantes para o marido.

Falta à imprensa perceber que se essa maioria invisível resolvesse fazer uma revolução, dizendo não a um determinado perfil de candidatos, poderia mudar a cara desse país para sempre. Só não se sabe se para melhor ou para pior.

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Jornalista