Todo ano, no mês de dezembro, as revistas femininas entram no frenesi do Natal. E todo ano, com pequenas variações nos títulos e textos, repetem a pauta: decoração de árvores, ceia de Natal, roupa e maquilagem para usar no réveillon. Sem esquecer dos presentes – para todas as idades – e da roupa que as crianças vão usar. Além, é claro, das tradicionais previsões astrológicas para o próximo ano.
Para não dizer que o Natal se resume a comida, decoração e maquilagem, perdido no meio da edição, encontramos um texto ou outro que fala do sentido religioso da festa, da boa vontade entre os homens ou do sentimento de família.
Muito pouco, se a gente somar o número de páginas que induzem diretamente ao consumo. Consumo restrito aos bem-aventurados que têm um bom saldo bancário ou um cartão de crédito com limite alto.
O frenesi, vamos ser justos, tem razão de ser. Esta é, sem dúvida, uma das edições mais rentáveis do ano. Se as leitoras reclamam que as revistas dos outros meses parecem ter mais anúncios do que matérias, como classificar as edições de fim de ano? Os anunciantes capricham nas promessas: roupas, maquilagem, eletrodomésticos, brinquedos para as crianças e comida que daria para fazer do Fome Zero um sucesso instantâneo.
Não ao exagero
Em raros momentos de inspiração, ou talvez por cansaço com a repetição – por décadas – dos mesmos assuntos, os editores podem até falar de uma decoração ou uma da ceia com um toque nacional – palmeiras, em vez de pinheiros, e coco e maracujá. Mas, raras são as chances de escapar do estigma de colonizados e da influência do colonizador. As pobres leitoras são levadas a acreditar nesses valores e obrigadas a assar peru como se fosse o Thanksgiving [Dia de Ação de Graças], cortar direitinho os losangos no tender como os ingleses ensinaram e comer castanhas e nozes como se a temperatura estivesse abaixo de zero. E o pior é que, de tanto repetir receita de tender, as brasileiras passaram a achar que Natal sem tender não é Natal.
De nacional, no fim do ano, sobram as roupas brancas para a passagem do ano na brasileiríssima festa no mar. O único problema é que a roupa branca – ou pelo menos a que é mostrada nas revistas – tem preço de produto importado, e dos mais caros.
Nada contra as revistas aproveitarem a oportunidade de um faturamento extra. O que não é justo é fazer com que suas leitoras experimentem mais uma frustração: a de, além de não poder dar aos filhos os presentes que são seu objeto de desejo, não poder ter aquela árvore enorme e linda, aquela mesa exageradamente farta e, principalmente, aquela porcelana caríssima, os copos de cristal e a prataria que são a marca registrada das edições de Natal.
Tem solução? Como reagiriam os anunciantes se as revistas femininas deixassem de fazer do Natal uma grande desculpa para vender produtos? O que aconteceria se, em vez da decoração dos ricos, as revistas sugerissem um verdadeiro Natal do Brasil, com frango, churrasco, cerveja e frutas?
O frango no forno
Ou então, já que seu público alvo é um pouco mais chique, porque não dar um verdadeiro serviço discutindo a solidão dos velhos, a inadequação dos solitários, a reunião familiar onde no fim da festa acabam surgindo as disputas entre pessoas que só se encontram porque é Natal?
A edição ficaria pouco festiva? Talvez, mas, especialistas que são em mostrar o lado risonho da vida, certamente os editores das revistas femininas encontrariam formas de falar de coisas sérias num tom leve e construtivo.
Assim, pelo menos, as revistas femininas entrariam em acordo com a programação da TV, que nos obriga a ver, pela milésima vez, o drama do velho Scroodge que, depois de uma vida inteira de egoísmo, vira um quase santo, só porque é Natal.
A verdade é que, por mais que os editores de revista feminina quebrem a cabeça para fazer uma edição diferente da do ano anterior, revista de Natal parece sempre a mesma. A gente olha as fotos, admira a decoração de uma árvore, pensa que se tivesse dinheiro compraria aquele perfume caríssimo para dar de presente… E corre a olhar o forno, antes que o frango passe do ponto.
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Jornalista