Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A melhor imprensa do mundo

O senso comum, acompanhado por analistas e críticos despreparados, diz piamente que o objetivo da imprensa é informar. Isso é tão ingênuo e ultrapassado quanto, na linguística, defender que os sentidos literais são mais frequentes ou importantes que os correlatos metafóricos. Por outro lado, apontar a prioridade comercial do empreendimento jornalístico é uma acusação apenas e, se tanto, intelectualmente mesquinha. Não seria razoável esperar diferente.

Se é para adotar a fantasia finalista e determinar convictamente objetivos, o da imprensa é demover, assim como o da linguagem é convencer. O conteúdo mínimo de toda a mensagem é egoísta. Mesmo quando os interlocutores não se dão conta, sempre existe a intenção de fazer o ouvinte corresponder ao interesse de quem fala.

Mas, se o mínimo que se pode esperar de um interlocutor é o egoísmo, por que a imprensa dominante brasileira insiste em alienar o país? Isso se deve ao alinhamento dessa elite com os interesses das elites do hemisfério norte e, especialmente, da Casa Branca. Grande variedade de documentos secretos recentemente desclassificados mostra que controlar a América do Sul é, pelo menos desde o insidioso Plano Marshall, considerado o mínimo necessário para Washington sustentar seu desejo de controlar o mundo. Se você não é capaz de cuidar do próprio quintal, quem dirá do resto da vizinhança? Com esse objetivo, a televisão tem sido usada para difundir a doutrina de que algumas pessoas, idealmente caucasianas, naturalmente nascem com a vocação para o poder, enquanto as outras são apenas inferiores. Portanto, perguntar por que a imprensa nacional parece gostar de atirar no próprio pé é tão despropositado quanto acreditar que diferentes pessoas e países valem igualmente. E esse despropósito é tão mais repetido quanto mais não se entendam os significados das palavras “pessoas” e “países”.

Ação das elites

As classificações, em geral, são tão úteis quanto perniciosas. São úteis para distinguir grupos diferentes: para a esquerda, maçãs, para a direita, melancias; para a frente, frutas, para trás, legumes. Mas são perniciosas quando ocultam diferenças: todas as mercadorias são ótimas. Maçãs, melancias e legumes não compartilham apenas o predicado explícito de serem ótimos. Não haveria nada pernicioso no compartilhamento de um predicado explícito. Mas, maçãs, melancias e legumes são mercadorias. A disseminação do conhecimento desse predicado não se limita à placa do feirante. A palavra mercadoria está presente no dicionário e, para usar um termo preferido pelos analistas despreparados, “faz parte do idioma”. Assim como que pelo efeito de uma ação divina a palavra “mercadoria” foi parar no dicionário, como que pelo efeito de uma ação divina maçãs, melancias e legumes devem ter algo em comum, além de serem ótimos: caso contrário, o santo dicionário não confirmaria serem todas elas mercadorias. Mas, infelizmente, a maioria das frutas está podre ainda que apenas pelos aspectos socialmente menos relevantes todas as pessoas e países sejam iguais.

Talvez alguém possa coletar os números que comparam Portugal com 500 anos de existência e Inglaterra com 500 anos de existência. Então, esse mesmo estudioso seria capaz de coletar os números que comparam Brasil e Estados Unidos atuais. Se é verdade que o Brasil está para Portugal assim como os Estados Unidos estão para a Inglaterra, e considerando o que era, há 500 anos, Portugal comparado à Inglaterra e o Brasil comparado aos Estados Unidos, então, se concluirá que, em termos relativos, muito provavelmente o Brasil é o país mais desenvolvido do mundo. Ainda: assim como a taxa Selic é lastro para a manobra econômica, contraditoriamente a ação das elites da mídia também criou um lastro. Afinal, uma população treinada a não se considerar o centro do próprio mundo dificilmente se abala com más notícias e regozija-se de qualquer notícia boa.

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[Rodrigo Panchiniak Fernandes é professor universitário, Florianópolis, SC]