O primeiro turno da eleição 2006 teve como sua marca essencial a despolitização. Isto é, a não discussão das alternativas políticas em disputa no Brasil. Em lugar do debate de projetos alternativos ou das políticas implementadas e formuladas para o país, a grande mídia, sob o pretexto de um compromisso com a ética na política, conseguiu a proeza de empobrecer a agenda pública, agora reduzida a uma dimensão apenas moral. Em lugar de uma pretensa busca pela ética na política, uma triste cena eleitoral com uma hipertrofiada moral, que alija a discussão política deste cenário.
Mais grave: esta descomunal dimensão moral acaba sendo irresponsavelmente partidarizada. Deste modo, a mídia tanto abandonou seu legítimo papel de informar e de analisar criticamente as políticas realizadas e propostas, cumprindo sua função democrática de subsidiar a cidadania em sua decisão autônoma de votar, quanto abdicou de enfrentar a sério a questão ética, pois com sua ostensiva partidarização ela perdeu a autoridade para desempenhar esta tarefa vital ao aprofundamento da democracia no país.
A grande mídia abriu mão da eqüidistância e da contundência necessárias para forçar a mudança de modo radical da organização do sistema político que, todos sabemos, corrói e corrompe praticamente todos os partidos, muitos políticos e parcela da sociedade brasileira. Partidarizada, ela esqueceu a luta essencial por ética na política e se tornou um coadjuvante de peso na disputa eleitoral utilizando a moral como arma seletiva – que atinge os adversários e, de modo vergonhoso, redime seus aliados ao esconder deliberadamente todos os graves casos de corrupção que os envolvem.
Dois projetos
Mais uma vez fica patente que os grandes grupos de comunicação do país estão completamente orientados por seus interesses políticos e econômicos e que entre suas vítimas estão as regras mais elementares do jornalismo comprometido com a transparência, a investigação, a cidadania e a democracia. O tema da democratização da mídia no país emerge aqui com toda sua potência. Mais uma vez é preciso afirmar que sem a democratização da mídia dificilmente teremos uma real democracia na sociedade contemporânea, no Brasil ou em qualquer país do mundo atual.
O segundo turno das eleições abre a possibilidade de, por certo como muita luta, reverter este quadro de despolitização, colocando em cena a discussão dos dois projetos contrapostos que pretendem governar o país nos próximos quatro anos. Quiçá a política volte à cena nestas eleições para que a população brasileira possa exercer de modo autônomo e livre seu direito de escolha – e com isto ajudar a consolidar a democracia no país.
******
Professor da Universidade Federal da Bahia, da Faculdade de Comunicação e do Programa Multidisciplinar de Cultura e Sociedade. coordenador do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura e pesquisador do CNPq