Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A mídia e a cobertura da crise

Outubro foi o mês em que o mundo parou. Estava nítido no comportamento das pessoas e daqueles indicadores que captam mais rapidamente o humor da economia.


Agora, começam a aparecer os novos indicadores confirmando esse quadro. Como é o caso do Relatório sobre Produção Industrial do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgado na terça-feira (2/12).


A produção industrial anual caiu de 6,8% em setembro para 5,9%, em outubro. A queda é substancial, para espaço de tempo tão curto.


De setembro a outubro houve recuo em 15 dos 27 ramos pesquisados. A maior queda foi de produtos químicos – 11,6% no mês, -20,9% nos últimos três meses. Mas houve avanço em 12 ramos industriais, entre os quais os destaques foram alimentos (0,7%) e outros equipamentos de transportes (2,0%).


Dado subjetivo


Aí se entra em um ponto importante para a análise. Até setembro, o consumo e a produção vinham crescendo a um ritmo recorde para a década. A queda, portanto, foi em cima de um patamar relativamente elevado.


Por exemplo, entre janeiro e outubro o crescimento acumulado foi de 5,8%, fundado em 21 das 27 atividades pesquisadas. A liderança coube a veículos automotores, com 16% de crescimento, graças ao aumento da produção de automóveis e caminhões.


Importante notar também que as quedas de outubro foram agravadas por fatores eminentemente psicológicos, de setores que concederam férias coletivas ou paralisações técnicas não planejadas, muito mais em função do aumento da incerteza geral do que (ainda) de fatos objetivos.


Parte desse processo se deve à chamada ‘escandalização’ da crise, promovida por grandes órgãos de imprensa. Não se pode minimizar a crise, tem que se dar a ela o devido peso. Mas, em um contexto em que o fator expectativa é relevante, a dramatização da crise acaba aprofundando a própria crise.


É um fenômeno que foi bem analisado pelo megainvestidor George Soros em seus livros. Tem-se os fatos – problemas no mercado de crédito, queda em preços de commodities, queda do nível de atividade mundial. E tem-se a avaliação sobre os fatos.


A avaliação é um dado subjetivo. Por exemplo, se um consumidor acha que a crise será muito brava e passa a temer por seu emprego, a tendência será reduzir suas compras. Reduzindo, derruba a produção e leva o empresário a demitir. Do mesmo modo, se o empresário julga que a crise será maior, deixará de investir, dará férias coletivas e demitirá. Se o banco acha que a crise será grande, tratará de reduzir seus empréstimos.


Pauta da hora


Esses movimentos não se dão em cima de dados objetivos, mas da percepção sobre o que poderá ser a crise. É aí que o papel da mídia passa a ditar as regras do jogo e poderá se constituir em um tiro no pé.


Obviamente não se trata se sonegar informações, mas de saber como tratar as notícias em ambientes nervosos. Dia desses, um jornal anunciou ‘fuga de dólares’, pelo fato do fluxo ter ficado negativo em US$ 850 milhões – valor ínfimo, para caracterizar uma ‘fuga’.


Uma previsão de 3% de crescimento do PIB – média superior à da década – é tratada como se fosse recessão profunda. Fatos positivos são escondidos no pé de página.


Nosso desafio, nos próximos meses, será mostrar o tamanho da crise sem enveredar pelo pessimismo estéril.

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Jornalista