Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A mídia e os homens de bem

A capa da Veja (nº 2010, de 30/5/2007) sobre a vida privada do senador Renan Calheiros, apesar do espalhafato foi enquadrada em tons muito próximos do marrom. Não chega a ser tão perturbadora quanto o desabafo do presidente Lula ao classificar o ex-ministro Silas Rondeau como ‘homem de bem’ e reconhecer que o demitiu para não ficar ‘sangrando até a última gota’ (Folha de S.Paulo, 25/5, 1ª página).


Confissão inacreditável e intolerável vinda do Supremo Magistrado: se o ex-ministro é um homem de bem, jamais deveria ter sido sacrificado de forma quase fulminante para satisfazer a pressão dos sangradores.


Por que razão o generoso e solidário presidente Lula não manteve no cargo o ex-auxiliar? Esta formidável carga de compaixão e humanidade não poderia ter sido ligeiramente antecipada e energizada por mais algumas horas?


E, afinal, quem é o verdadeiro carrasco de Silas Rondeau – a Polícia Federal, órgão do governo? Ou a mídia, a eterna cabra expiatória das mazelas que aparecem no noticiário? Até prova em contrário, o verdugo deste homem de bem condenado injustamente é aquele que manda e desmanda, faz e desfaz, nomeia ou desnomeia.


Salvo-conduto


José Sarney é o vice-rei do Brasil, braço civil da ditadura, encarregado de acabar com o antigo MDB, agora manda-chuva no PMDB, ex-presidente da República, todo poderoso há mais de quatro décadas. Conterrâneo, amigo e padrinho do ministro defenestrado, o imortal senador foi o primeiro a aparecer no noticiário sugerindo a imediata substituição do afilhado. Ao contrário do presidente Lula, Sarney não foi tocado por algum sentimento nobre – simplesmente não quer respingos na imaculada biografia.


Seu último artigo (Folha, sexta 25/5, pág. 2), primoroso ‘mix’ de tartufaria com instinto de sobrevivência, investe contra o ódio, a inveja e contra Brasília, segundo ele, a capital da antropofagia. Como se o endereço e sua base de operações não estivessem localizados no Planalto Central. Depois de entregar a cabeça do protegido aos leões, não muito diferente de Nero plangendo sua lira diante do incêndio de Roma, posa de filósofo sofrido diante das misérias da humanidade.


É preciso lembrar que a navalha da Polícia Federal cortou mais fundo no quintal preferido do clã Sarney. A Gautama tem sede na Bahia, opera em nove estados, mas no injustiçado Maranhão foi erigido o show room das suas perversões. Aquele território político é propicio para bandalheiras Além do atual governador, seu antecessor, parentes, um ministro e o respectivo padrinho, o recorde de suspeitos indicados pela Polícia Federal tem domicílio no estado.


Esta é uma estatística que não desperta a atenção da imprensa. Compreende-se: por intermédio do seu ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, Sarney foi pródigo no atendimento aos pedidos de ajuda às empresas de mídia, médias ou grandes, eletrônicas e impressas. No país dos abraços, aos amigos, tudo. Graças a este poderoso salvo-conduto, Sarney consegue desenrascar-se de todas as encrencas.


Origem do dinheiro


A magia que empregou para safar sua filha Roseana e seu genro, Jorge Murad, do flagrante feito pela PF com a maior coleção de cédulas de 50 reais já exibida fora dos cofres do Banco Central é uma demonstração cabal da sua arte. A explicação para o saque de parte da sua poupança no Banco Santos, horas antes de decretada uma intervenção que prejudicou diversos fundos de pensão, é a quintessência de uma biografia onde a literatura funciona como gazua para a política.


A navalha da Polícia Federal, ao que tudo indica, está cortando as pústulas certas. Erra na forma de se comunicar, pois ao invés de informações transparentes oferece dados transpirados, mas é injusto colocar a nossa polícia judiciária sob suspeição num momento em que os tentáculos da corrupção começam finalmente a ser desbastados.


Homens de bem, os verdadeiros, deveriam exigir da PF um esclarecimento satisfatório sobre a origem do dinheiro que comprou o Dossiê Vedoin no ano passado. Enquanto não o fizerem, melhor calar-se sobre ‘excessos’.