Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia sabe apurar. Falta querer

Foi surpresa? Não. Alguns (muitos!) brasileiros acompanham pela mídia tanto a política quanto o esporte, com a mesma intensidade, assiduidade e paixão, e não se surpreenderam com nosso mais recente escândalo. Desta vez – outra vez… – no país do futebol, sobre a manipulação de resultados das partidas do Campeonato Brasileiro. Desta vez – outra vez… – foi a Veja (edição 1.924) que denunciou. Mas, desta vez, houve uma diferença, digamos, filosófica, no sentido mais geral, aquele da busca de compreensão da realidade em sua totalidade: a revista apurou.


Alvíssaras! A Veja estava investigando o assunto desde ‘abril’, informa a reportagem de capa, intitulada ‘Jogo sujo’, de André Rizek e Thaís Oyama, ambos repórteres e editores. Diz a matéria:




As investigações sobre a máfia do apito tiveram origem em uma apuração jornalística iniciada por Veja em abril deste ano. Informado sobre o trabalho, o Gaeco [Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo] obteve autorização judicial para monitorar as ligações telefônicas da quadrilha com ajuda da Polícia Federal. Os diálogos, gravados desde agosto deste ano, revelaram a existência de uma trama destinada a encher os bolsos de um grupo de apostadores à custa da boa-fé de milhares de torcedores que, ao adquirir ingressos para um espetáculo esportivo, se tornaram figurantes involuntários de uma fraude. Nela, a principal autoridade no campo, em vez de garantir a justeza do resultado e fazer com que o melhor time vença, dedicava-se a ajeitar o resultado da partida de acordo com seus interesses financeiros e os da quadrilha. Um juiz pode interferir decisivamente no resultado de um jogo. Ele pode forjar pênaltis, expulsar jogadores injustamente, validar gols ilegais e anular gols legítimos. Edilson Pereira de Carvalho e seus asseclas faziam essas tramóias, maculando a alegria de milhões de brasileiros, em troca de propinas que variavam entre 10.000 e 15.000 reais por partida.


Prata e lama


Ué, ‘em abril’? O Campeonato Brasileiro começou em 23 de abril, um sábado deste ano da graça de 2005… a Veja esperou cinco meses para soltar sua ‘bomba’?! O que teria impedido a revista de explodir antes esta ‘bomba’? Claro, o cuidado nas investigações. Não se pode sair publicando ‘bombas’ a partir de denúncias sem comprovação, certo? E o que seria este ‘trabalho’ citado na segunda frase do parágrafo acima? O texto não deixa claro se é o ‘trabalho’ iniciado pela Veja em abril que foi levado ao Ministério Público, originando a investigação do MP, ou algum outro. A Veja não deixaria o trabalho de investigação a cargo do MP, pois não?


Na segunda-feira (26/9), no programa Linha de Passe, a mesa-redonda da ESPN Brasil, os comentaristas lembraram que Edilson Pereira de Carvalho apita desde 1996. Paulo Vinicius Coelho, o comentarista-enciclopédia que conhece, além de datas e nomes, táticas de jogo como nenhum outro, disse que os resultados dos jogos apitados por Edilson estão sob suspeita ‘pelo menos’ a partir de setembro de 2004, e é preciso anular e repetir as partidas em que ele atuou, e em vários campeonatos – não há como tergiversar. O diretor de jornalismo da emissora, José Trajano, fez as perguntas que não podiam calar: ‘Mas ele vem aprontando isso há um tempão e ninguém desconfia de nada? Se não fosse o site de apostadores desconfiar, ficaria tudo por isso mesmo?’


Sim, leitor. O site canadense em que o esquema se apoiava desconfiou e suspendeu as apostas nos dias dos jogos em que Edílson apitava. Quem acompanha a ESPN Brasil viu em 28 de agosto o especial ‘Paraná de prata e de lama’, episódio da série BrasilFutebol Clube, uma seção do programa Histórias do Esporte. O episódio mostrou a corrupção na Série Prata (segunda divisão) do Campeonato Paranaense, com manipulação de resultados. Em 7 de setembro, no rastro da denúncia, caiu toda a Comissão de Arbitragem do Paraná.


O presidente da Federação Paranaense de Futebol, Onaireves Moura, declarou à ESPNb, energicamente, que tudo será apurado. Seu braço direito na Federação, Johelson Pissaia, o ‘Bruxo’, operador que controlava a manipulação com um tal de Cidão (no Brasileiro é um tal de Gibão…), continua preso. (Para quem não lembra, o deputado federal Onaireves Moura, então do PSD-PR, foi cassado em dezembro de 1993 por compra de filiações e esteve preso em 2000 por desvio de verbas do INSS.)


Cautela


Mais: 15 dias atrás, Juca Kfouri, ex-Lance!, hoje comentarista da ESPNb e da Folha de S.Paulo, em entrevista perguntou a Luiz Zveiter, presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, como poderia ter credibilidade nas arbitragens um juiz que falsificara diploma para se credenciar ao cargo. Tratava-se justamente de Edilson Pereira de Carvalho. No Linha de Passe da segunda-feira, e em participações anteriores nos programas da emissora, Juca insistia em que a evasiva de Zveiter (‘não podemos penalizar eternamente um cidadão pelo passado’) indicava óbvia frouxidão do STJD em relação a um falsário.


Carlos Alberto Parreira, o técnico da Seleção, disse que esse escândalo era tudo de que o futebol brasileiro não precisava. Os comentaristas da TV por assinatura em peso discordaram. Com ressalvas. É possível apontar o que é e o que não é erro técnico de um juiz pelo vídeo de uma partida?, perguntou ao árbitro carioca Léo Feldman (encarregado de examinar os jogos envenenados) o comentarista Marcelo Barreto no Sportv News. ‘Não é fácil, mas vamos tentar.’ Isso é resposta. Quem conhece futebol sabe que não é fácil mesmo.


O que importa é que a mídia esportiva está bem mais cautelosa do que a mídia política na apuração desse escândalo que, ninguém se iluda, tem o poder de esterilizar a galinha dos ovos de ouro da nossa paixão nacional. ‘É como na política, precisamos apurar com cuidado’, alertou Aydano André Mota, do Globo e da Globo News no Redação Sportv, na manhã de segunda-feira. ‘Assim como não podemos acreditar no Toninho da Barcelona, não podemos acreditar em tudo o que diz o Edílson, tem que apurar a fundo’, afirmou Milton Leite, no Sportv News.


Impunidade


Tanto no Sportv quanto na ESPN Brasil, os comentaristas em bloco vêm tentando acalmar os torcedores que querem detonar tudo em nome de erros de arbitragem – coisa comum do futebol, diga-se de passagem. Errar é humano e do árbitro de futebol. É antiga a discussão sobre o uso de telões nos estádios com replay para consulta dos juízes. A Fifa se opõe terminantemente. Por quê? Porque tira a graça do futebol. Alguns dizem que resultado errado é que tira a graça do futebol. Mas desde quando a graça do futebol está no resultado? O que nunca teve graça no futebol é a manipulação, e cabe a mídia esclarecer a diferença.


Lamentavelmente, o esquemão do Edílson não é toda a manipulação. Juca Kfouri, na coluna de reestréia na Folha (saiu de lá em 1999 para o Lance!, e agora está de volta) na segunda-feira (26/9), ressaltou o progresso do futebol nos últimos tempos, com o Estatuto do Torcedor e a Lei da Moralização, além do Brasileirão em pontos corridos que, apesar das idas e vindas, foram avanços – gestados no governo FHC. ‘Embora o presidente Lula tenha tido a grandeza de assiná-los [os projetos] como as primeiras leis de seu mandato, eis que da assinatura para cá só houve retrocessos. Voltou a promiscuidade do governo federal com a cartolagem, numa política de acomodação onde a necessária ruptura, que contaria com o apoio da opinião pública, foi trocada pelo deslumbramento de um ministro fraco e fisiológico’. E ainda temos a ‘malfadada Timemania, o mensalão do futebol’, lembra Juca – ‘uma das faces dessa política deletéria, loteria que o Congresso Nacional não pode aceitar nos termos em que está posta’.


Nesse império onde o Sol nunca se põe – palavras de Armando Nogueira, do Sportv –, escândalo não falta. Em qualquer continente, entre praticantes os mais tradicionais, da Inglaterra à Itália, manipulação sempre existiu. O problema é a impunidade. Desta vez – outra vez… –, uma CPI, agora a dos Bingos, vai ‘investigar’ o tal esquema aqui no Brasil. É a nova mania nacional, é ou não é? Só que, para os novatos desta mania, uma informaçãozinha: duas CPIs já investigaram as falcatruas do futebol, especialmente na CBF, e nada aconteceu, como insiste em lembrar a ESPN Brasil. E foi novamente lembrado no Linha de Passe (26/9). Aliás, a ESPN Brasil chega a ser chata de tanto que cobra transparência no futebol. Pena que a política não tenha um equivalente na TV.




Bate-pronto com Juca Kfouri


Luiz Egypto
 


A matéria de capa da Veja que denuncia as ações criminosas do árbitro Edílson Pereira de Carvalho revolve uma lama que, guardadas as devidas proporções, tem cheiro semelhante àquela mostrada pela revista Placar, nos anos 1980, na série de reportagens sobre a ‘máfia da Loteria Esportiva’. Faz sentido o paralelo? E o que mudou de lá para cá?


Juca Kfouri – Faz todo sentido, embora aquela reportagem (de Sérgio Martins) tenha citado 125 nomes. A diferença é a seguinte: se dá para dizer que foi a impunidade daqueles bandidos que estimulou os novos 23 anos depois, agora, ao menos, temos dois na cadeia. Ou seja, o país mudou para melhor neste aspecto.


O caso do juíz Edilson não é exatamente novo, carrega um histórico nada abonador. Você mesmo já apontara um caso de falsificação de diploma em que ele esteve envolvido. Que lhe pareceu a qualidade técnica da matéria da Veja? Que surpresas teve ao ler a reportagem?


J.K. – Sei que foi o repórter André Rizek quem estimulou o Ministério Público a entrar no caso. Mérito dele, portanto. A boa surpresa são as gravações. Talvez a matéria não precisasse ser tão editorializada e tenha ficado um pouco exagerada quanto a exaltação da ‘novidade’. Mas foi um golaço.


A imprensa tem investigado a fundo as mazelas do futebol brasileiro? O que ainda falta fazer?


J.K. – Menos do que eu gostaria pelo velho problema de sempre: falta tempo e investigar custa caro. Na TV, então, é ainda mais difícil, pela confusão entre os eventos e o jornalismo.