Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A miséria do jornalismo brasileiro

Tomo de empréstimo o título do excelente livro de Juremir Machado da Silva para relatar o absurdo que foram os comentários feitos por uma entidade denominada Credibilidade e Ética, da qual até então nunca ouvira falar, a propósito do meu artigo ‘Tem gato na tuba’, publicado neste Observatório na edição 361 [ver remissão abaixo]. Fiquei indignado pela forma como o fizeram: os comentários, com questionamentos preconceituosos e antiéticos sobre a minha condição profissional, foram enviados com cópia a várias redações do país e a vários jornalistas, numa clara intenção de me desmoralizar perante a classe. Tudo porque ousei criticar a entrevista de Mino Carta na Caros Amigos, fazendo referências também à fala da filósofa Marilena Chaui na mesma publicação. No episódio, pude conhecer a ‘ética’ da entidade. A ‘credibilidade’ eu constataria na penúria gramatical de suas mensagens.

Não venho rebater as críticas feitas às idéias que defendi. Críticas são sempre bem-vindas num país pluralista e democrático. A elas respondi no próprio e-mail, sem ter recebido nenhuma resposta até agora. Em vez disso, resolveram bater abaixo da cintura. Ao discordar do teor do meu artigo, tentaram me desqualificar profissionalmente da forma mais covarde e leviana, como sói ao patrulhamento do tipo stalinista. E tudo vertido num português canhestro que me causou enorme constrangimento.

Primeiro questionaram minha ‘autoridade’ para criticar tais personalidades – Carta e Chaui –, como se, para fazer críticas, fosse preciso autorização prévia de alguém – mentalidade sem dúvida do stalinismo mais vira-lata. Depois de me colocar no mesmo balaio de figuras tão díspares como Diogo Mainardi, Ricardo Noblat e Giba Um, pessoas que, segundo a entidade, cometem o crime de escrever para órgãos como Folha, Estadão e Veja, sugeriram-me que procurasse uma vaga de foca na revista Veja.

Minha resposta foi firme e sóbria. Agradeci as críticas e lembrei-lhes as idéias mais elementares da Escola de Frankfurt, segundo as quais a mídia de massa tanto manipula quanto fornece elementos para o pensamento crítico. Sugeri-lhes ainda que lessem os dois artigos escritos por mim para este Observatório sobre Diogo Mainardi, para que soubessem o que penso do articulista de Veja. Por fim informei-lhes que sou editor na Abril Educação, portanto não precisaria almejar o cargo de foca em Veja. Com a ressalva de que, se tivesse 22 anos de idade e fosse recém-formado, consideraria tal condição um ótimo início de carreira. Tudo isso enviado também a quem recebera a cópia do primeiro e-mail, uma vez que meu nome fora jogado na roda.

Nos detalhes

Sem saber, ou mesmo sabendo – ninguém é inocente nessa história –, aticei a sanha dos meus detratores. Na certa foram ao Google saber quem sou. O Google é muito apropriado quando se quer desmoralizar alguém. A partir daí, o nível baixou.

Passaram a me chamar de ‘jornalista’ entre aspas, pois segundo a entidade, sou apenas ‘um editor de livros didáticos’, função que, segundo eles, ‘é muito diferente de ser um editor de jornal e revista’. Também realçaram pejorativamente o fato de eu ser recém-formado em Jornalismo, o que de fato sou – formei-me em 2005 na Cásper Líbero, aos 42 anos de idade, um feito do qual muito me orgulho. Em seguida, voltaram a ‘insistir’ para que eu respeitasse as personalidades criticadas (Carta e Chaui) e as revistas mencionadas (Caros Amigos e Carta Capital) no meu ‘péssimo artigo’. Cheguei a ver o rosto de Stalin na minha frente enquanto lia aquelas linhas.

Não vou entrar nos detalhes da minha nova resposta, para o artigo não ficar extenso. Apenas cito o fecho dela, em que lembro a eles que o nome da filósofa não é ‘Marilene Chauí’, como grafaram, mas ‘Marilena Chaui’, uma ausência de esmero que contraria a famosa frase atribuída ao arquiteto alemão Ludwig Mies, segundo a qual ‘Deus está nos detalhes’. Frase esta que deveria fazer parte dos princípios de qualquer jornalista que se preze. Mas desconfio que eles nunca ouviram falar de Ludwig Mies. Também fiquei com a impressão de que não entenderam a frase.

Para qualquer profissão

Responderam agradecendo a correção feita ao texto deles, pois ‘temos humildade para tentar corrigir os nossos erros, que não devem ser poucos’. De fato, não são. As três mensagens que me enviaram vieram coalhadas de erros de pontuação, coordenações capengas, erros de grafia e idéias confusas. Uma verdadeira aula sobre como não se deve escrever. No último e-mail, cometeram essa preciosidade:

‘… Abraços.

Credibilidade e Ética. Brasileiros indignados dos pseudos jornalistas’.

E tome sic. Pergunto: que credibilidade tem um jornalista que atenta dessa forma contra a língua? Se bem que ninguém de carne e osso assinou as mensagens, preferindo esconder-se por trás do nome da entidade.

Não sou o dono da verdade. Tenho as minhas convicções, respeitáveis e contestáveis como as de qualquer cidadão. O que não posso aceitar é o desmerecimento covarde e leviano com que tentaram me atingir, valendo-se de uma entidade que, a julgar pela indigência de seu texto e pela inconsistência de suas idéias, possui uma ética e uma credibilidade de fancaria.

Ser editor de livros didáticos pode ser um ofício tão ou mais refinado do que ser editor de jornal ou revista. Depende do profissional que o executa. E da empresa em que se trabalha. Por acaso, na Abril Educação, edito justamente os livros da filósofa cujo nome eles sequer foram capazes de grafar corretamente. E pela qual nutro grande apreço. Isso vale também para a condição de recém-formado. Não há nenhum demérito em ser recém-egresso de uma faculdade – e isso vale para qualquer profissão. O primeiro passo sempre há que ser dado.

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Jornalista e escritor