Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A moda é falar de anorexia

Quando criança, minha mãe sempre dizia que se eu não comesse, ia ficar igual ao anãozinho Tiãozinho. Anos mais tarde, após inúmeras latas de Neston, litros de leite com Toddy, bandejas de iogurte Danone e caixas de Sucrilhos, já crescido, mas na forma de um adolescente franzino, ainda era possível ouvir que, se quisesse ficar forte, precisaria praticar alguma atividade física. Ou me tornaria um faquir. Às vezes, a falta de apetite também preocupava. Era aí, então, que desciam – ‘guela abaixo’ – colheradas de Biotônico Fontoura, comprimidos sonolentos e vitaminas de banana com multimistura da Pastoral da Criança. Foi a primeira vez que escutei a palavra ‘anorexia’.

Ser magro, porém, tem as suas vantagens, como poder comer sem culpa ou passar sem dificuldades pela roleta do ônibus. Jovens meninas, entretanto, resolveram tirar ainda mais proveito da vantagem de ser magro: serem bonitas. Graças ao padrão estabelecido pelas agências de modelo, revistas de moda e telenovelas adolescentes. Tão levado a sério que, certamente, as manequins gordinhas do Renascimento morreriam de fome nos dias atuais.

Sentados ao lado das passarelas, o que vemos são só suas pernas de siriema e seus olhares de entediadas (já que sorrir – tanto quanto aumentar as medidas do corpo – não é recomendável para se manter na atividade). O grau esquelético que algumas assumem é tão alto que até mesmo o indiano Dhalsim, personagem do game Street Fighter, morreria de inveja. Semanas atrás, uma dessas jovens foi vítima dos padrões da moda. Morreu pesando 40 quilos distribuídos em 1m74 de altura. O mesmo que oito sacos de arroz do supermercado.

Na Somália

Nova repetição do assunto na mídia nacional. Capa da Veja, escalada do Jornal Nacional, páginas da Folha de S.Paulo… É o chamado agendamento, feito pelos veículos de comunicação de massa, das pautas que serão discutidas nas salas-de-aula, em provas do vestibular ou em conversas de botequim no dia seguinte. E como dá lucro vender informação… quanto mais prolongado o tema, melhor. Não é a toa que qualquer atraso de cinco minutos no aeroporto de Nossa Senhora da Conceição do Mato Dentro já vira notícia.

Esta é a hipótese do agenda setting, tipo de efeito social gerenciado pela mídia, a qual, pela seleção, disposição e incidência das notícias determina os temas sobre os quais o público discutirá. Ou seja, a partir do momento em que um grande destaque acontece, qualquer fato menor ou semelhante que venha a surgir relacionado ao assunto – e que antes não era notícia – torna-se manchete. Caso Richthofen, epidemia de dengue, CPI do Mensalão, furacão Katrina, 11 de Setembro, referendo do desarmamento, Bento 16, crise no Oriente Médio… Quanto tempo durou cada uma destas pautas?

Na Somália, morrem de fome dezenas de pessoas por dia. Mas isso não importa. Notícia hoje é morrer de anorexia.

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Jornalista (www.bemnanet.com.br)