As pessoas ligadas à mídia esportiva nos inúmeros programas na televisão, que também fazem parte de outros meios de comunicação, como rádios, jornais e revistas esportivas, com colunas exclusivas e grande espaço nas emissoras – todas têm algo em comum: a possibilidade de ver e rever quantas vezes necessárias um lance duvidoso para dar seu veredicto final: a crucificação ou a absolvição do juiz ou bandeirinhas (juiz e bandeirinhas são termos pelos quais a mídia esportiva os chamam).
Tais opiniões são baseadas em cima de vários ângulos capturados pelas diversas câmeras de televisão espalhadas em redor do campo de jogo e até mesmo em cima dele, dos dirigíveis que sobrevoam o local da partida. Com todo este aparato tecnológico, tais pessoas não têm misericórdia, condenam à ‘morte’ o árbitro ou seus assistentes, que contam com singelos segundos e apenas um ângulo de visão para aplicar uma das regras do futebol.
Contudo, temos dois bons exemplos de que tais pessoas, com toda estas parafernália eletrônica, vendo e revendo as imagens, ainda sim dão veredicto errados.
O primeiro exemplo vem da França, Copa do Mundo, 23/6/1998, Estádio Velódromo, Marselha, Brasil x Noruega. Próximo do fim do jogo, o árbitro Estandiar Baharmast (dos Estados Unidos) viu um pênalti cometido por Júnior Baiano. Para seu azar, todas as câmeras oficiais e não-oficiais, do tipo ‘câmera exclusiva da Globo’, não flagraram a ação que gerou a penalidade. Conseqüentemente, o árbitro foi tarjado de ‘ladrão’, principalmente depois dos comentários feitos ao vivo pelo narrador e o comentarista de arbitragem da principal emissora de televisão do Brasil.
No dia seguinte, a verdade – numa imagem feita por uma emissora que por acaso estava gravando cenas da torcida para um documentário a pedido da Fifa. Tal imagem revelou que o árbitro estava correto. Pênalti claro: Júnior Baiano agarrou e puxou o adversário dentro da área. Tarde demais, a sentença já estava dada, o árbitro estava voltando a seu país. No entanto, não houve qualquer pedido de desculpas por parte daqueles que o condenaram, ficou no esquecimento.
Difícil é enxergar
O outro exemplo vem da Taça Libertadores, o mais importante torneio de clubes da América. Não me lembro do adversário do São Paulo, porém recordo muito bem do lance: uma reposição de bola por tiro de meta. Executado com um chute forte do goleiro adversário, a bola chegou ao atacante completamente livre, entre ele e a linha de fundo só havia Rogério Ceni. Então vem a voz do narrador, aos gritos: ‘O bandeirinha está louco, está impedido, burro, burro, este bandeira está maluco, impedimento claro’.
A partida seguiu normalmente. Em todas as participações do tal bandeira, voltava o comentário de ‘burro’. Ao se aproximar o fim da primeira etapa, veio do nada o comentário: ‘Naquele lance do impedimento o bandeira estava correto, pois a bola veio de uma cobrança de tiro de meta, sendo assim não há impedimento’. Mesmo reconhecendo o erro, ninguém pediu desculpas por chamar o bandeira de ‘burro’. Mais uma vez a sentença estava dada.
Com estes dois exemplos podemos ver o quanto a arbitragem em nossos tempos está exposta a comentários destrutivos, sem a visão do árbitro, sem a visão do espírito do jogo. Os erros de arbitragem sempre existiram, hoje até com mais freqüência, por causa das inúmeras câmeras e recursos tecnológicos, e mostrar o erro da arbitragem exaustivamente rende ibope.
Isso não é justo. É fácil sentar numa cadeira em frente a um monitor de televisão e dar opiniões – seja na imprensa esportiva, falada, escrita e televisionada. Difícil é enxergar com os olhos da arbitragem.
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Árbitro-assistente da Federação Paulista de Futebol e da Associação Campineira de Árbitros Futebol, 37 anos