As revistas femininas precisam, urgentemente, fazer um link com o mundo real. O mundo real que, nos últimos tempos, se resume a corrompidos e corruptores. O mundo real em que as mulheres têm tido um papel importantíssimo, como testemunhas ou como questionadoras dos depoentes das CPMIs. Nesse mundo real, mulheres mandam e-mails a deputadas e senadoras manifestando solidariedade e exigindo ação firme. Outras dão entrevistas a jornais e participam de debates na televisão como analistas do mais alto nível. Escrevem colunas aguardadas com ansiedades pelos leitores e marcam presença nas cartas aos leitores dos jornais, indignadas com tanta lama.
Esse mundo real aparece raramente nas revistas femininas, nas quais excepcionalmente encontramos matérias como o perfil que a revista Criativa fez da ministra Dilma Roussef, a mulher forte do Planalto. Uma honrosa e bem-vinda exceção. Porque o normal, nas revistas femininas, é a superficialidade levada ao extremo, embora em seus argumentos de venda se mostrem bem diferentes. Veja só quem é, para Claudia, seu público-alvo:
‘A mulher de hoje que olha o mundo, se reconhece e expressa essa atitude diante da vida. A maior variedade de assuntos relevantes para a mulher moderna’.
Diante desse argumento, fomos conferir as chamadas de capa do mês, esperando um link com o que estamos vendo no país. Não está lá. Afinal, se a CPMI começou em junho, daria tempo de mencionar, nem que fosse numa pequena nota, mulheres como as deputadas Denise Frossard e Zulaiê Cobra ou as senadoras Heloisa Helena e Ideli Salvatti. Para as revistas femininas, elas deveriam ser pauta obrigatória, já que têm feito notícia no país, com sua atuação em destaque no Congresso, em sessões com transmissão ao vivo pela TV. Mas, para que não digam que Claudia só trata de moda, beleza e decoração, a política está presente em matéria especial sobre duas mulheres poderosas: Condoleezza Rice e Hillary Clinton, possíveis candidatas à presidência da República. Nos Estados Unidos.
O retrato da leitora
A acreditar nas revistas femininas, brasileira se preocupa mesmo é com um bom relacionamento afetivo ou sexual, filhos e, é claro, moda, beleza e decoração. Na parte das revistas femininas dedicadas ao ‘comportamento’ – tudo aquilo que não é moda, decoração, beleza ou cozinha – vamos encontrar:
**
Nova: ‘100% Orgasmo’; ‘Guia Astrológico da Sedução’.**
Claudia: ‘Pequenas mudanças emocionais, resultados gigantes’; ‘A dieta de Jesus’; ‘Nossos filhos globalizados’. ‘Especial: homens no raio x. Esta edição vai mudar para sempre como você vê os homens’.**
Marie Claire: ‘Elas contam como foi transar com um garoto de programa’.**
Uma: ‘Mães à beira de um ataque de nervos’; ‘Na alegria e na tristeza, mas em tetos separados’.Resolvida a questão afetivo-sexual, entramos na área da beleza, da forma física, o item da pauta mais importante nas revistas femininas, com promessas do tipo ‘Confira o glamour das peças que acentuam a elegância feminina’, ‘O regime de desintoxicação que conquistou Hollywood’, ‘Batons e gloss que iluminam e dão volume aos lábios’, ‘Novidades para amenizar a celulite, a gordura localizada e a flacidez corporal’, e mil outras matérias do gênero.
Depois de examinar as chamadas – tanto de comportamento como de moda e beleza – a conclusão é que as revistas femininas conseguem mesmo atingir a uma parcela das mulheres que se consideram modernas: sabem se vestir de acordo com os manuais de moda, usam todos os truques de beleza e acham que um bom casamento quer dizer gastar direitinho o dinheiro que seus maridos providenciam.
Tudo numa só mulher
Uma parcela mínima – mínima mesmo – da população feminina hoje já tem a sua musa. Ela se veste na boutique conhecida como a Daslu de Minas, usa maquilagem discreta, tem os cabelos bem tratados e, quando suas palavras não causam o efeito desejado, deixa correr uma lágrima discreta, escondendo o rosto com os mãos. Ou seja, como convém a uma senhora de fino trato, até seu choro é contido. É a mulher atrás do grande homem, que exige, quando o empresário está na cidade, que reserve a hora do jantar para estar com a família.
Esse modelo de mulher ‘do lar’ foi atração numa das tantas reuniões das CPMIs em Brasília: a dona de casa que ‘abriu mão da carreira’ para cuidar da família, administra um pro-labore até modesto para quem tem filhos na escola e mora num condomínio de alto padrão, mas não discute dinheiro com o marido. Se os seus 3.500 não são suficientes, tem ao seu dispor o resto dos rendimentos do marido: 120 mil reais por mês.
Estamos falando, é claro, de dona Renilda Maria Santiago, esposa do Sr. Marcos Valério, o publicitário, o lobista, o condutor do trem-pagador do grande escândalo nacional.
Parece que as revistas femininas conseguiram, finalmente, personificar numa só mulher o exemplo típico do seu público-alvo: dona Renilda. Para espanto de quem acredita que revistas são feitas para a mulher que olha o mundo, se reconhece e expressa essa atitude diante da vida.
******
Jornalista