Os colegas jornalistas gostam de repetir uma frase de Alberto Dines, segundo a qual ‘quando todo mundo estiver olhando para cima, a notícia pode estar no chão’. Pois bem: o normal do Observatório da Imprensa é comentar como a mídia cobre os fatos, seu desempenho e responsabilidades. Mas, por difícil que seja compreender, às vezes os fatos ocorrem e a mídia praticamente os ignora, apesar da grande importância que possam ter para a sociedade. Isto faz lembrar a cobertura dada ao falecimento de Nelson Gonçalves, que foi o que chamamos aqui no Nordeste de chocha. Quero, porém, me referir a um fato que ocorreu no último dia 12 de dezembro e que – pelo que tenho conhecimento através dos meus limitados instrumentos de pesquisa – nenhum jornal, emissora de rádio ou TV divulgou uma linha sequer a seu respeito.
Naquela data, às 21h, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) realizou uma reunião a portas fechadas para apreciar uma denúncia de que o médico Luiz Moura estava difundindo um DVD sobre auto-hemoterapia, uma técnica que consiste em retirar sangue da veia e injetar no músculo da pessoa e que é capaz de curar inúmeras doenças. A prática da auto-hemoterapia não é proibida em nenhum texto de lei e consta que é permitida em países como Argentina e México. Mas foi alvo de pareceres contrários de conselhos regionais e do Conselho Federal de Medicina, embora o assunto não seja pacífico entre os médicos. O dr. Alex Botsaris – autor do livro Sem Anestesia e que goza de grande respeitabilidade na área médica –, por exemplo, rebate os que condenam a auto-hemoterapia, afirmando: ‘Não é verdade que essa terapêutica não tenha nenhum fundamento.’
Comércio fechado ou cadeia
O resultado da reunião do Cremerj foi a cassação do registro do dr. Luiz Moura, de 83 anos, que a partir daquela data ficaria proibido de exercer a medicina após 57 anos em atividade. Considero esta decisão fato de grande importância na área da ciência. Na área da mídia, é preciso refrescar a memória, pois o assunto auto-hemoterapia foi um dos temas mais importantes da edição do Fantástico de 22/4/2007, que abordou o assunto de forma sensacionalista e distorcida. Na ocasião, escrevi o artigo ‘Fraude forjada‘, para mostrar que forçaram a natureza com o intuito de condenar a auto-hemoterapia. Trata-se de um assunto que estranhamente não ganhou a mídia, o que leva alguns observadores a fazerem aquela análise de que existiria um certo receio de mexer com os médicos, ou que a técnica não interessaria às indústrias farmacêuticas, pois é um tratamento cujo único custo é a seringa para a retirada e aplicação do sangue da própria pessoa.
Por conta de um parecer cheio de dúvidas e claramente tendencioso, a auto-hemoterapia está proibida. Com isto, além de não garantir assistência médica a quem precisa, agora uma decisão administrativa autoritária começa a fazer os adeptos da referida terapia morrerem à míngua. Para ter uma idéia do que está ocorrendo – e rapidamente poderá ganhar uma dimensão assustadora –, encontramos um dos adeptos da auto-hemoterapia que se pronuncia com tristeza, desolação e inconformismo com a injustiça. Tudo porque o dono de farmácia, seu amigo, que fazia as aplicações nele e em sua família, anunciou que não vai mais arriscar o seu comércio ser fechado nem quer parar na cadeia por fazer aquilo que seu coração mole permitia fazer. Desde então, ele diz ‘não’ a todos, sem exceção.
Nova especialidade médica
A partir dali, o cidadão ficou sem condições de continuar o tratamento através da auto-hemoterapia e se diz muito revoltado, entre outros motivos por ver a distribuição de seringas para as pessoas usarem drogas ilegais, dando como desculpa a prevenção da Aids. Mostra que se estivesse fazendo uso de drogas ilegais ou sendo promíscuo com suas atividades sexuais, teria apoio do Ministério da Saúde, que também distribui as camisinhas.
O parecer do Conselho Federal de Medicina sobre a prática da auto-hemoterapia, ao invés de esclarecer, mostra uma série de dúvidas, mas reage cegamente à realidade atual, quando cidadãos de todos os recantos do Brasil estão se beneficiando do tratamento, numa cruzada clandestina em defesa da própria saúde e vida. Ignorar que a auto-hemoterapia é uma questão da ordem do dia que precisa ser resolvida com responsabilidade institucional, mas continua submetida à tentativa de tapar o sol com a peneira.
Na ânsia cega de condenar antes de avaliar e pensar, os Conselhos de Medicina – não os médicos, pois encontramos médicos que querem que haja um aprofundamento do estudo do assunto – talvez nem observem que a auto-hemoterapia tem tudo para se transformar em uma nova especialidade médica e, a partir de então, a técnica ser aplicada de acordo com protocolos cujas bases já estão praticamente estabelecidas. Vamos torcer para que as energias do universo inspirem as pessoas da área a fim de evitar que continue sendo aplicada esta pena de morte para tantos brasileiros.
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Jornalista, Natal, RN