Desde a sua ocupação, o Brasil vem demonstrando sinais eloqüentes de violência contra a classe trabalhadora. Para as nossas oligarquias rurais, tudo o que não é mimetismo do latifúndio é sinônimo de atraso e, como tal, deve ser eliminado para dar espaço a seu modo de produção. O agravante é que seu modo de produção é extremamente limitador e concentrador. São poucos os que se enquadram ao seu paradigma sócio-reprodutivo. Conseqüentemente, poucos deveriam sobreviver nesta nação. Quando esta oligarquia chegou ao Brasil, encontrou aqui, mais de cinco milhões de trabalhadores e trabalhadoras trabalhando e produzindo ao seu modo.
Em toda a América do Sul, estima-se que mais de setenta e dois milhões de trabalhadores e trabalhadoras estivessem organizados trabalhando e produzindo. Como não se inseriram ao modo de produção européia, foram exterminados sumariamente. Certamente, naquele momento, as vítimas eram tratadas como se fossem as vilãs da história. A visão naquele momento era a de que se deveria combater e exterminar os bárbaros, os selvagens, os terroristas. Hoje não é diferente. Estamos vivendo uma onda de violência no campo, sob a justificativa de que se deve eliminar os trabalhadores e as trabalhadoras rurais organizados.
Vítimas da violência no campo
Com o apoio da mídia e de setores das instituições estatais, com o uso de capangas, a elite brasileira ataca a classe trabalhadora com toda violência e virulência. Desde criança, eu ouço a aristocracia rural dizer que trabalhadores – aos quais eles chamam de vagabundos – devem ser tratados no chicote e à bala. A mídia, de pertença desta aristocracia, sempre deu todo o aval a tais ações. O poder judiciário, composto por pessoas oriundas da elite, nunca arredou uma palha para coibir a violência contra a classe trabalhadora. O parlamento e o poder executivo, hegemonicamente compostos por aristocratas, nunca se preocuparam em fazer justiça ao povo deste país. Muito pelo contrário, no caso particular do Congresso chegam mesmo a formarem a ‘bancada ruralista,’ com apoio explicito às milícias paramilitares rurais do tipo UDR (União Democrática Ruralista).
Esta organização não escondia que tinha por objetivo, dentre outros, assassinar trabalhadores e trabalhadoras. Para citar apenas três vítimas destes esquemas, menciono a morte de padre Josimo Tavares, uma morte anunciada, na região do Bico do Papagaio, no Tocantins; a morte da sindicalista Margarida Maria, na Paraíba; a morte do sindicalista e seringueiro Chico Mendes, no Acre. Estes três episódios foram citados como emblemáticos, mas a carnificina e o genocídio aconteceram no campo, durante anos, sempre com a conivência da mídia e do Estado brasileiro.
Segundo dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra) do ano de 2006, naquele ano, nos 1.657 conflitos com violência no campo, 783.801 camponeses e trabalhadores rurais sofreram algum tipo de violência. Dentre esses brasileiros, 39 foram assassinados, 72 foram vítimas de tentativa de assassinato, 57 mortos em conseqüência do conflito, 207 ameaçados de morte, 30 torturados, 917 presos e 749 foram agredidos e/ou feridos.
Prática de cárcere privado
Os números supracitados são uma resposta à mídia e aos parlamentares que insistem em criminalizar os trabalhadores e as trabalhadoras do Brasil. No Brasil há, sim, baderneiros e desordeiros, mas estes não são os trabalhadores e as trabalhadoras deste país.
Nos últimos dias, a mídia tem realizado freqüentes ataques aos movimentos sociais organizados do campo. Todos estes ataques são desferidos devido a uma atitude impensada de um grupo de trabalhadores e trabalhadoras camponeses que, em confronto com seguranças de uma fazenda, acabaram por vitimar quatro seguranças. Não foi uma atitude racional do movimento. Afinal de contas, violência não é uma ação aconselhável para se dirimir conflitos de interesses. Mas, por que será que a mídia, sobretudo a grande mídia, nunca gastou uma linha dos seus editoriais para deplorar a violência contra os trabalhadores e as trabalhadoras rurais?
Em 2002, os assassinos da sindicalista Margarida Maria Alves foram inocentados, mesmo com provas eloqüentes de que eles eram culpados. A grande mídia brasileira não gastou um segundo nem uma linha para deplorar a inocência daqueles assassinos. O último episódio onde a mídia e o Estado foram categoricamente corporativistas, foi o caso de Chinguara, no Pará.
As imagens daquele confronto são eloqüentes. Havia ali um grupo de jagunços com armas de grosso calibre, de uso restrito das forças armadas, atirando deliberadamente contra um grupo de trabalhadores e trabalhadoras que, pelas imagens se via, usavam tão somente de instrumentos de trabalho e caça. Mas, assistindo ao jornal Hoje, da rede Globo, no dia seguinte ao conflito, a notícia era de que aquele grupo de trabalhadores e trabalhadoras deveria ser processado por prática de cárcere privado, por terem usado jornalistas como reféns e por tentativa de homicídio.
Expediente anacrônico
O senador Valter Pereira, do PMDB/MS, fez o uso da tribuna do Senado, na quinta feira (23/4) e, literalmente jogou todos os adjetivos cabíveis ao latifúndio sobre os ombros dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Excelentíssimo senhor senador, as vítimas deste país foram os índios e índias, negros e negras e agora, neste momento, os trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade. Quem mergulhou este país no caos social foi a sua elite. A sua oligarquia com o PIG (Partido da Imprensa Golpista) sempre foram anti-republicanos, jogaram o país na situação paradoxal de Belíndia.
Se o país tem um dos piores índices de violência do mundo, uma situação de guerra civil, a culpa não é dos trabalhadores e trabalhadoras. E vocês deveriam ter a grandeza de assumir o óbvio; violentos são vocês. Por favor, senador, assuma que o paradigma de expansão tendo por base a exploração e a concentração que culminou no caos social foi uma criação de vocês.
Para concluir eu gostaria de parafrasear o senador Paulo Brossard. ‘Se uma alcatéia falasse, usaria a mesma linguagem da mídia e do senador Valter Pereira. Uma linguagem da ameaça, da intimidação e da difamação.’ Numa democracia, este tipo de expediente é anacrônico.
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Filósofo e educador