É superpositivo o balanço da cobertura do Pan do Rio pela mídia brasileira. Quem quis acompanhar pela TV viu quase 100% de provas e jogos, e o que não passava ao vivo era recuperado depois. Apesar da competência não muito grande da International Sports Broadcasting (ISB), a empresa espanhola que gerou as imagens, que nem um replay decente sabia fazer. Mesmo com as falhas, vimos um show dos brasileiros e ouvimos suas histórias de superação. Uma frase, porém, resumiu os Jogos, na modesta opinião desta amante do esporte: ‘Só mesmo o COB vê nossa capacidade como olímpica, mas nossa capacidade é pan-americana’. O autor: João Palomino, da ESPN Brasil, ao comentar, entusiasmado mas realista, o quadro de medalhas numa das competições.
O pior do Pan foram os animadores e os DJs, e à mídia cabia uma crítica contundente a este absurdo. Por pouco não estragaram tudo com seus inacreditáveis decibéis. Perturbaram as transmissões, impedindo, por exemplo, que se ouvisse o que diziam os treinadores aos atletas dos esportes coletivos nos tempos técnicos, bons momentos em que geralmente se pode entender como um time vê o outro e a si mesmo; e perturbaram muitas vezes os próprios técnicos e jogadores, que mal conseguiam pensar.
O homem do susto
Pontos positivos da cobertura não faltaram, como os deliciosos quadros do Sportv ‘Você no Pan’ ou ‘O som do Pan’. Também uma beleza o software que permite ver a evolução quadro a quadro dos movimentos do atleta. Um mico engraçado: narradores chamando o arquipélago de Antígua e Barbados de Antígua e ‘Barbuda’, como no espanhol ou inglês. Mico irritante: ouvir todo o tempo ‘a seleção norte-americana isso’, ‘a seleção norte-americana aquilo’, como se jogassem unidos atletas mexicanos, americanos e canadenses. Mestre Marcos de Castro ensina há séculos: os Estados Unidos têm a palavra ‘América’ em seu nome, chamam a si mesmos de ‘americans’ e é ‘americano’ o gentílico que lhes cabe.
Algumas coisas não foi possível entender. Na cerimônia de abertura, Galvão Bueno exaltou o fato de que, entre as peças originais executadas pela Orquestra Sinfônica Brasileira, todas do pianista, arranjador e compositor fluminense André Mehmari, estava um tema especial para o Rio 2007, que seria doado pelo Brasil aos organizadores dos Jogos Pan-Americanos, que não têm um hino. O compositor disse ao Observatório, por e-mail, que não foi avisado desta doação, mas está disposto a conversar a respeito. O belo hino foi tocado ao fim de todas as provas, como um tema da vitória. E o curioso é que justamente a Globo, sempre em seu mundinho à parte, abafava o som da peça para executar o tema das vitórias de Ayrton Senna. Quem entende?
Em geral, a imprensa esportiva brasileira é estranha: usa o passado sem coerência. No futebol, critica os times masculinos atuais lembrando sempre, muito justamente, das seleções de 1970 e 1982. No vôlei, ao contrário, só fala do passado para exaltar o adversário, recorrendo a derrotas pregressas para assustar o telespectador. É assim com Cuba, é assim com os Estados Unidos. O ex-técnico americano Doug Beal, por exemplo, que tirou o ouro ‘certo’ do Brasil nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1984, e marcou para sempre aquele incrível time de William, Renan e Cia. como ‘geração de prata’, é o nome-chave do susto. A cada vez que jogamos com os americanos, parece que o time brasileiro é o mesmo de 1984 e o deles também! Só que os EUA atuais estão em oitavo lugar no ranking, não nos vencem em finais desde 2001 e o time que veio ao Rio estava sem seis titulares…
‘Deserção em massa’
Cuba então, nem se fala, não tem um título há anos. O mesmo com a fraca Venezuela, que num acidente em 2003 bateu o Brasil em Santo Domingo. O tom de medo e o sensacionalismo de narradores e comentaristas no primeiro set, quando os venezuelanos arriscavam tudo, era de enfartar. ‘Será que vai se repetir 2003?’; ‘Ponto da Venezuela!’ (voz cavernosa). Tenso, o cidadão trocava para a ESPN, onde não faltavam emoção e torcida, mas sobrava informação. Não a repetição à exaustão de regras que todo mundo conhece (gente, o vôlei é sucesso de TV desde os anos 1980!) ou o manjado currículo dos jogadores. Nada disso. Ficava-se logo sabendo que, em 140 sets disputados com o Brasil, a Venezuela só venceu 13.
O jogo era narrado à espera da reação dos brasileiros, que não tardou: o fraco time da Venezuela foi logo posto em seu lugar. O comentarista até informava o que faltava à Venezuela para melhorar no jogo, uma postura que, inclusive, educa o torcedor.
A Globo nem exibiu (nenhuma surpresa) a cerimônia de encerramento, mas os canais fechados, sim. Descreveram como puderam a enjoada festinha e saíram-se muito bem depois. A ESPN, além de um balanço das medalhas brasileiras, exibiu o ‘momento inesquecível’ de cada repórter na cobertura, e muitos escolheram belas histórias de superação, que souberam contar como ninguém ao longo dos Jogos. O último ‘Momento Pan’ do Sportv, no domingo (29/7), reuniu um monte de atletas brasileiros, cada um contando a sua própria história de superação (informações que os cartolas deveriam anotar).
O depoimento mais tocante foi de Marcelinho Elgarten, o substituto de Ricardinho na seleção de vôlei. Rouco, rosto marcado pelo cansaço, ainda sem dormir depois da vitória acachapante sobre os EUA, foi impressionante ver a aparência do atleta. Baita história de superação. O programa terminou com crítica da mídia. O repórter Lúcio de Castro condenou a parte da imprensa que divulgou, sem apurar, o boato de que a delegação de Cuba abandonou às pressas a Vila do Pan na noite de sábado pelo temor de uma ‘deserção em massa’. Lúcio, que durante os Jogos colheu material para um documentário sobre o esporte olímpico nas Américas, disse que fez várias tentativas de marcar entrevista com os cubanos, algumas mal-sucedidas justamente porque o embarque estava previsto para sábado. O que desmentia o ‘às pressas’ alardeado, afirmou.
Emoções do esporte
Ao fim e ao cabo, digam o que disserem os ranzinzas, o Pan 2007 foi arrebatador e deixou um legado inestimável, que vai virar pó se a imprensa não cumprir sua função social que, neste caso, é cobrar dos cartolas a manutenção desta obra, a distribuição justa dos equipamentos provisórios aos estados e o apoio ao despertar dos jovens para o esporte.
Um valioso e rápido balanço feito por Marcelo Barreto, Fernando Meligeni e Milton Leite, do Sportv, antes da festa de encerramento, botou no devido tamanho a chance de o Brasil virar potência olímpica após o Pan. A ESPN já tinha revelado um exemplo melancólico, o da Grécia, que sediou as Olimpíadas de 2004. Em reportagem feita em maio em Atenas, aproveitando a cobertura da partida final da Liga dos Campeões da Uefa, o repórter André Plihal mostrou estádios estragados, arenas abandonadas, mato crescendo em volta. Muito triste.
O ‘momento inesquecível’ de um dos profissionais da emissora, por sinal, foi a matéria de Renata Falzoni, que cobre esportes radicais, mostrando operários destruindo a perfeita pista de ciclismo BMX – apesar da medalha de prata inédita que rendeu ao Brasil. Um investimento de R$ 400 mil inexplicavelmente jogado fora, quando poderia servir, com cautelas ambientais, à garotada que lotou o Morro do Outeiro para ver as provas e à formação de novos atletas. Estas são nobres batalhas para a imprensa esportiva.
Por falar em batalha, uma história de superação do outro lado do mundo encerrou o domingo com chuva de ouro: se a BBC não deu bola ao Pan, mostrou cenas inimagináveis de superação do Iraque. O povo foi para as ruas do país inteiro festejar a conquista – a primeira de sua história – da Copa Asiática pela seleção iraquiana, depois de quatro anos de ocupação militar, guerra e morte. Emoções que só o esporte proporciona.
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Jornalista