A quantidade de artigos, comentários e posts criticando a conduta da mídia nas últimas eleições já deve estar sendo medida em gigabytes. A escancarada parcialidade midiática colidiu de frente contra um muro de concreto formado pela possibilidade dos internautas opinarem sobre, virtualmente, qualquer assunto. Essa novidade gerou um sem-fim de troca de ofensas irrogadas pelos defensores da mídia e seus críticos. De acordo com comentaristas mais abalizados, os pretensos ‘formadores de opinião’ levaram um choque ao serem contestados, virulentamente até, por quem, até então, tinha de conformar-se em ler, assistir e ouvir calado. Pessoalmente, acreditei que era um conflito com data para acabar. Ingenuidade, reconheço.
Passadas as eleições, com a vitória de Lula, a ofensiva da mídia, em vez de cessar, recrudesceu. Alguns comentários em blogs, antipetistas, é evidente, ultrapassaram os limites da crítica política. Discordar e criticar é normal e saudável para a democracia. Afinal, todos têm direito a manifestar sua opinião. No entanto, o que se vê é o achincalhe puro e simples. É a manifestação de um desprezo absoluto. De uma condenação inapelável, cujo objetivo é a aniquilação moral do objeto da crítica.
E isso gera uma conseqüência no âmbito social. Não há mais adversários políticos. Existem inimigos mortais. De um lado, há os que odeiam esquerdistas. Esses tiveram suas convicções exacerbadas pela mídia. Se já eram antiesquerda, hoje são paladinos da moral, da ética e dos bons costumes. E não há nada mais perigoso do que um indivíduo que se julga em luta contra o ‘mal’. E digo isso da cátedra. Também, quando mais jovem e inocente, me vi como um ‘Sir Galahad’, guerreiro do bem e exterminador dos ‘demônios’.
Televisão de cachorro
Pelo que se vê dos artigos e comentários dessas pessoas, são indivíduos com baixa ou nenhuma capacidade de examinar criticamente as informações que recebem. Isso, claro, é uma das conseqüências da ‘certeza moral’. Ela não admite meios-tons. É maniqueísta em sua essência. Vitaminada pelo preconceito de classe, desemboca em fenômenos como o nazismo. Por outro lado, temos de considerar que os simpatizantes da esquerda também pecam pelo extremismo. Igualam-se a seus opositores na demonização dos adversários. Aos dois lados recomenda-se mais argumentos e menos pirotecnia. Nada, nem ninguém, é absolutamente mau ou absolutamente bom. Há muitos meios-tons entre o branco e o preto.
No entanto, a minha decepção mais profunda provém de outra constatação. Achei que, mesmo na mídia preconceituosa, ainda havia santuários. Lendo a Playboy desta semana descobri que estava enganado. A Playboy também aderiu ao facciosismo político. Contratou Olavo de Carvalho como articulista. Teremos, então, junto com mulheres nuas, artigos sobre o perigo da conspiração comunista internacional e uma entidade mítica denominada ‘Foro de São Paulo’. Um negócio bem Anos Cinqüenta. Além, é claro, de uns pretensos cronistas. Na edição distribuída na semana passada há uma crônica, ou conto, ou sei lá o que, que é um primor de mau gosto e péssima paródia em que, com a sutileza de um rinoceronte numa loja de cristais, o autor esculhamba Lula a pretexto de produzir algum tipo de peça literária sobre ‘Conan, o bárbaro’.
Eu já tinha desistido de fazer estas críticas. Não vão mudar coisa nenhuma. E ‘enxugar gelo’ é o que eu venho fazendo há muitos anos nas delegacias. Mas alguma coisa a gente tem de fazer para, pelo menos, extravasar a indignação. Então, lá vai mais um texto para criticar a mídia ‘impoluta’ e ‘imparcial’.
Finalizando, quero esclarecer que leio a Playboy, ou lia, pelos artigos e não pelas mulheres peladas. Tenho a mais plena convicção de que revista de mulher pelada é que nem ‘televisão de cachorro’. Com a agravante de que, eventualmente, o dono da padaria pode até dar uma daquelas galinhas ao vira-latas. Já aquelas mulheres não vão dar para a gente, pobres mortais, nem no dia de ‘São Nunca’.
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Policial Civil, graduado em Direito e pós-graduando em Segurança Pública e Direitos Humanos, São Pedro do Sul, RS