Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A politização da greve

O reducionismo com que o jornal O Estado de S. Paulo [09/03/2010, pág. A4 ‘Greve política’] aborda a situação do professorado paulista em sua luta por melhores salários e condições de trabalho, polarizando a ameaça de greve a uma queda de braço entre a Apeoesp e o governador às vésperas do anúncio de sua candidatura à presidência, não contribui em nada para uma discussão séria a respeito da política educacional paulista e das condições degradantes a que os educadores são submetidos.

Na verdade, parece tentar desviar o foco de um real e necessário debate sobre a complexidade que envolve essas questões, além de demonstrar certa fragilidade, num ponto em que o governador/candidato faz tanto para não parecer tão vulnerável. Aliás, o tucano sente-se pouco à vontade quando tem de negociar com os servidores estaduais – basta lembrar a greve dos policiais civis e militares para se constatar que com os professores não é diferente.

O governo paulista demonstra forte tendência para verticalismos – e, a pretexto do exercício democrático, acaba por atropelar tais princípios, como na forçosa aprovação do PLC 29/2009, pacote de medidas para um programa de promoção por mérito, programa que mereceria ampla e aprofundada discussão. Mas que, por razões que não são difíceis de compreender, principalmente para os que conhecem a realidade escolar e para aqueles que buscam outras fontes de informação além da leitura d´O Estado, não são abordadas.

Escamotear a realidade

Classificar a greve do professorado paulista como pura encenação contra as tais medidas de estímulos aos docentes para se qualificarem mediante avaliações é no mínimo tergiversar e dar enfoque a um só lado da questão – uma generalização que desqualifica toda a categoria, algo como dizer que todos os jornalistas d´O Estadão não têm qualificação necessária para o exercício da profissão e, portanto, só receberão aumento salarial se se submeterem a avaliações por mérito, avaliações que atestem mais que o domínio dos manuais de redação ou da cartilha ideológica a ser seguida.

A situação do magistério paulista, da falta de preparo de ‘parte dos docentes’, ao contrário do que se apregoa não é culpa dos professores, mas resultado de consecutivos erros da pasta, em sucessivos (des)governos (de um mesmo partido), o que demonstra a falta de planejamento e de uma linha de continuidade, além da capacidade de pensar a educação acima de interesses políticos/eleitoreiros – as coisas não se resolvem com canetadas nem da noite para o dia.

Ao propor um caráter meramente político à greve – e não se trata aqui de defender qualquer candidatura, afinal elas devem se sustentar por si mesmas – perde-se, uma vez mais, a oportunidade de um debate franco para essas questões e se acaba por escamotear a realidade educacional de um dos principais estados brasileiros.

‘Ouvindo’ as mesmas opiniões

Resulta equivocada, portanto, a alegação de que a greve teria o pretexto de prejudicar a candidatura tucana – e o referido artigo lança mão justamente de uma argumentação tendenciosa para desqualificar o recurso da greve (mera manipulação da Apeoesp, como se isso fosse preciso para desprestigiar o governador paulista perante o professorado). Ignora também que muitos desses professores, mesmo não concordando com tais arbitrariedades, se saíram bem nas avaliações propostas e continuam a exercer com profissionalismo suas atividades.

Dessa forma, o exercício desse tipo de jornalismo reduz-se a uma via única de pensamento, incapaz de abranger a complexidade das relações sociais e as múltiplas faces das questões e problemas de nossa sociedade – com isso perdem os (e)leitores, perde a própria imprensa.

Todavia há quem goste de tal jornalismo – compre-o quem quiser ‘ouvir’ as mesmas opiniões, não quem deseja obter uma visão global da realidade sem deixar de esmiuçá-la.

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Funcionário público municipal, Jaú, SP