Marta Suplicy teve o desejo de se separar e se separou. Depois, sustentou o desejo de casar pela segunda vez e celebrou com pompa o casamento. Sempre manteve com o ex-marido, pai de seus filhos e seu primeiro maior parceiro político, uma relação cordial denotando civilidade .
Ao vistoriar obras da Avenida Rebouças [terça, 27/7] convidou Eduardo Suplicy para acompanhá-la. Bastou isso para que os dois fossem capa dos jornais e o PSDB publicasse uma nota cujo título era ‘Marta e seus dois maridos’. Quem se detém na nota, primeiro se dá conta de que ela é uma paráfrase tola de Dona Flor e seus dois maridos. Primeiramente porque a prefeita tem um marido e um ex-marido. Em segundo lugar porque tanto um quanto outro são reais enquanto a personagem de Jorge Amado tinha um marido real e outro que era imaginário.
A tolice é interessante por ser reveladora do arcaismo que ainda vigora entre nós. Se o fato da prefeita ter com o ex-marido uma relação cordial é usado para desqualificá-la, é porque da perspectiva daqueles que a desqualificam o divórcio implica a exclusão do ex ou da ex. Deste ponto de vista, a amizade entre os sexos não é concebível. Daí a pedir às mulheres casadas que só saiam à rua com uma negra mantilha como no século passado falta pouco. Não é preciso ser petista e nem feminista para recusar a desqualificação. Basta ser moderna.
Canção de Lupiscínio
Quando a prefeita de São Paulo aparece com o ex-marido ela obviamente está fazendo política, mas esta política é a da inclusão enquanto a dos seus adversários é a da exclusão. Assim como a gente exclui o ex-cônjuge, exclui o judeu, o homossexual, o preto, o pobre… O que a modernidade brasileira e internacional requer é que a memória e a diferença sejam respeitadas.
A brincadeira da oposição à prefeita é reveladora de uma moral retrógrada, que recusa a instituição legal do divórcio e sustenta a inimizade entre os sexos. Trata-se da moral machista que, além de desautorizar o desejo feminino, privilegia a paixão do ódio. Como nas peças de Nelson Rodrigues: A Falecida, onde Zulmira declara odiar o marido ; Album de família, em que Dona Senhorinha quer assassinar o seu ; ou Vestido de noiva, quando as alucinações de Alaíde apontam para a morte do marido.
Nesse universo, a violência é valorizada e a vingança, curtida. Como na música de Lupiscínio Rodrigues: ‘Só vingança, vingança, vingança aos santos clamar’.
Por sorte a prefeita não é Zulmira, nem Dona Senhorinha e tampouco Alaíde. E o seu ex-marido não se reconhece na canção de Lupiscínio. Depois de terem sido marido e mulher, reaparecem juntos na imprensa como dois pacifistas. Eduardo Suplicy merece ser chamado de cabo eleitoral vip. Só quem parou no tempo critica.
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Psicanalista e escritora