‘Após vitória esmagadora do `sim´, Equador radicaliza a democracia
De acordo com Rafael Correa, o objetivo será dar mais voz aos pobres, às comunidades indígenas e às mulheres, assegurando que a elite econômica e política tenha seu poder e sua influência reduzidos.’ (jornal Brasil de Fato)
Considero o Brasil de Fato um dos melhores jornais do país, apesar de sua incoerência com o propósito inicial de ser um jornal popular e ter conseguido apenas ser um jornal para militantes já engajados no movimento social. Parece que esta habilidade tão comum na mídia capitalista ainda não foi assimilada pelos que a condenam.
Ao que tudo indica, o texto acima foi escrito por um jornalista diplomado, já que a Fenaj, federação da categoria, defende esta condição como garantia mínima de qualidade na informação para a sociedade. Trata-se de Vinícius Mansur que, lamentavelmente, é mais um que servirá de exemplo de como os melhores quadros da categoria à qual pertence não têm atendido ao princípio preconizado por aquela entidade, como também Luiz Carlos Azenha, André Trigueiro e Silvio Caccia Bava. Ele está em excelente companhia.
Este profissional, ao afirmar que o Equador radicaliza a democracia, deve estar querendo dizer que o Equador radicaliza o discurso sobre a democracia, já que, logo abaixo, fala-se de um ‘objetivo’, e não de algo no tempo presente do verbo, como ele utilizou. Portanto, o título coloca como se já houvesse acontecido algo no momento atual, que, na realidade se trata de uma promessa, uma possibilidade que poderá ou não ser realidade no futuro.
Lento e difícil processo
Talvez este jornalista tenha nascido ontem e desconheça o fato de que promessas geralmente não são cumpridas (especialmente deste tipo), ou está praticando a ‘prenstituição’ e privilegiando quem prometeu tal coisa, com uma confiança e uma antecipação do fato prometido. Mas não parece ser inexperiente, insensato ou desonesto, em função dos dados disponíveis sobre ele na rede. Talvez seja apenas alguém que se subordinou ao senso comum, como é tradicional em sua profissão, que pegou uma pauta pronta e somente lhe deu algum toque pessoal, sei lá!
Outra coisa é como se pode radicalizar a democracia.
E será que já existe uma democracia atualmente no Equador?
Se há a pretensão de ‘dar mais voz aos pobres, às comunidades indígenas e às mulheres, assegurando que a elite econômica e política tenham seu poder e sua influência reduzidos’ é porque não há democracia alguma e os ricos têm mais direitos que os demais.
Parece-me que quem escreveu isto pretende defender a existência de uma democracia onde ela não existe e criou uma nova condição chamada ‘democracia radical’, que nada mais é que a única e verdadeira democracia possível, onde os pobres e os ricos têm os mesmos direitos, sendo iguais perante a lei e recebendo uma justa distribuição da riqueza nacional construída por todos.
Por que será que ele não afirma que lá existe, na prática, uma ditadura do poder econômico, plutocracia, cleptocracia ou corporocracia? E que foi iniciado um lento, incerto e difícil processo de construção de uma verdadeira democracia no país?
República é privatizada
Talvez porque o diploma de jornalista assegura outras coisas, menos uma visão real dos fatos concretos que estão um palmo à frente do nariz de seu detentor.
E se Rafael Correa não está mentindo, além da fuga de dólares e euros, em breve poderá sofrer:
(1) um golpe de Estado
(2) um acidente
(3) um Código 12 da ditadura pseudo-militar do Brasil ou algo assim.
Afinal, os ricos não largam facilmente o osso, como não largaram em 1964 e continuam explorando a classe trabalhadora, contribuinte, consumidora e eleitora até hoje em nosso país, numa ditadura civil. Marilena Chauí prefere dizer academicamente que o Estado brasileiro é autoritário e oligárquico.
Sem dúvida, o financiamento privado de campanha por parte dos grandes capitalistas permite uma propaganda capaz de enganar os eleitores por parte dos legítimos representantes daqueles. Através dela, estes se fazem passar por legítimos representantes do povo, sendo um dos principais fatores neste processo.
Isto não quer dizer que o financiamento público vai garantir que o resultado seja diferente, já que a República também é privatizada e a Federação, uma farsa, não havendo real interesse em solucionar esta questão definitivamente.
Algumas décadas, ou séculos
Mesmo que seja proibido qualquer tipo de financiamento, também é quase impossível dar certo. Afinal, a lei da reforma política será feita pelos próprios políticos, cuja grande maioria é capataz dos que concentram 3/4 da riqueza nacional nas mãos de apenas 10% da população. E eles não vão dar um tiro no próprio pé ou no de seus patrões!
E ainda tem a ‘caixa-preta’ do Judiciário, onde as sentenças são vendidas como mamão na feira e os magistrados são cúmplices da classe dominante há séculos. Eles sabem que há uma fila descomunal de pistoleiros de aluguel a fim de fazer o serviço e eliminar os inimigos da elite econômica por qualquer mixaria, bem como métodos mais sofisticados e seguros desenvolvidos pela moderna tecnologia.
Este jornalista e seu despercebido editor (possivelmente também diplomado) poderiam ter dito que:
(1) se a eleição para uma constituinte for honesta, não havendo influência do poder econômico nela;
(2) se não houver outros mecanismos de manipulação da elaboração da nova Carta Magna;
(3) se ela for realmente cumprida;
(4) se os EUA não resolverem que a América Latina pague a conta de sua falência;
(5) se não ocorrer algo que nos é impossível prever hoje;
então, em algumas décadas, haverá uma democracia de verdade no Equador. Talvez em alguns séculos, se for no ritmo atual do Brasil!
Consciência e prenstituição
Mesmo que existisse uma democracia de verdade hoje no Equador, existiria a possibilidade de se radicalizar nela? Ou o povo governa ou não governa!… Ou será que é possível um povo governar mais ou menos seu país, havendo uma democracia que tem por definição a prática de tal governo, em sua integridade?
Assim caminha o jornalismo no Brasil. Um pouco pior ainda do que Perseu Abramo percebeu…
Mais detalhes em ‘
Análise dos tipos de poder‘, ‘A estupidez conceitual da esquerda‘, ‘Diploma impede o empresário de dominar sobre a consciência do jornalista‘,‘Liberdade de imprensa para quem?‘ e ‘Prenstituição‘.
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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (CMQV)