Esse foi o fim de semana de Demóstenes Torres. Ele foi o personagem central das manchetes dos principais jornais do país e destaque nas revistas semanais de informação.
A linha geral das reportagens parece consolidar as denúncias de envolvimento do senador com o porta-voz e operador mais notório do sistema da jogatina, o “empresário” Carlos Augusto Ramos, conhecido como “Carlinhos Cachoeira”. Mas o tom de todos os textos ainda é de surpresa com a revelação de que o mais ruidoso baluarte das campanhas contra a corrupção criadas ou avalizadas pela imprensa nos últimos anos esteve o tempo todo simplesmente atuando como lobista de uma organização criminosa.
Na manhã de segunda-feira (2/4), as versões eletrônicas dos noticiários davam como certo que o senador do Partido Democratas estaria preparando sua renúncia, numa tentativa de evitar a cassação, que lhe custaria a inelegibilidade e a contingência de ter que enfrentar a Justiça na condição de cidadão comum.
Renunciando, Torres poderia ainda tentar novo mandato parlamentar em 2014, com tempo suficiente para postergar uma condenação e readquirir o foro privilegiado.
Essas especulações, que proliferam em blogs e boletins ligados a jornais e revistas, não parecem demonstrar a realidade. O fato mais evidente é que Demóstenes Torres parece ter sido abandonado por seus pares e teria poucas chances de contar com alguma complacência no Congresso.
Prócer da moralidade
Diferente de outros parlamentares que enfrentaram acusações graves nos últimos anos e conseguiram refazer suas carreiras, como o senador Jader Barbalho, Torres não parece contar com um só defensor de peso, nem mesmo em seu próprio partido.
A razão mais aparente para esse abandono é a própria estratégia adotada por ele ao longo dos últimos anos – de se colocar na vanguarda de ataque em todos os escândalos anteriores, como forma de evitar o olhar curioso sobre suas próprias associações ilícitas.
Demóstenes Torres disparou tantas acusações à sua volta que agora se vê sem ter onde buscar solidariedade. Trata-se de um caso raro em que o corporativismo do Parlamento deixa de entrar em cena. Essa é a razão mais provável para o fato de que a imprensa, em peso, considera o senador goiano praticamente eliminado do cenário político.
O episódio que parece colocar uma pedra sobre a carreira política de Demóstenes Torres também revela outros aspectos do funcionamento do sistema representativo. O empenho do senador goiano em defender seu associado Carlinhos Cachoeira, tanto nas atividades legais como empresário da construção civil e da indústria de medicamentos como no seu principal ramo de negócio, os jogos de azar, demonstra que o mandato adquirido com doações privadas produz uma dependência que, no fundo, transforma o parlamentar em mero funcionário de seus apoiadores.
Um levantamento cuidadoso das listas de doadores haveria de mostrar o quanto o Senado e a Câmara dos Deputados – sem contar os legislativos estaduais e municipais – podem estar contaminados pelo dinheiro fácil e sujo de negócios ilegais.
Por outro lado, o escândalo que envolve o outrora representante da moralidade na política mostra que a imprensa cai muito fácil no discurso demagógico dos oportunistas de plantão.
Comédia sem graça
Se a guinada que lança Demóstenes Torres no inferno em que ele procurou atirar muitos de seus desafetos mostra a facilidade com que se pode construir uma imagem falsa de honestidade, também surpreende a superficialidade das avaliações da própria imprensa, que nunca desconfiou de qualquer ilicitude nas atividades do senador goiano.
Uma imprensa assim tão crédula parece agora querer recuperar a autoestima produzindo um julgamento sumário e um rápido enterro da carreira de Demóstenes Torres. Enquanto ele se debate em sua defesa, segue lembrando ao leitor o quanto a imprensa o bajulou nos últimos anos.
O eleitorado gosta de heróis e muitos deles seguem renovando seus mandatos a cada eleição, com o rescaldo de bravatas muito noticiadas e pouco investigadas. Temos nas casas legislativas defensores dos aposentados, paladinos dos consumidores e até mesmo porta-vozes dos apreciadores de maconha. A todos a imprensa confere certo grau de respeitabilidade, sem nunca questionar se em seus mandatos eles cumprem os papéis que anunciam em suas campanhas.
Demóstenes Torres é mais um desses figurantes que fazem da crônica política um roteiro de teatro mambembe.