Na Veja nº 1.905 (de 18/5/05), Diogo Mainardi disse que não iria a Cuiabá, até paga para não ter que ir lá. Não ir a Cuiabá é seu projeto de vida. À sua moda, ele escreveu isso num texto que, como de praxe, faz o diabo para evitar o politicamente correto. Mas distribui tapas na celebridade que se vende como palestrante nacional. Também dá um merecido pontapé naqueles que convidam Arnaldo Jabor e assemelhados para estrelar eventos de intelectualidade fashion pelo país afora. E eu me flagrei concordando, em parte, com o enfant terrible da revista Veja.
O artigo irritou os cuiabanos, embora parte da conservadora opinião de figurinhas carimbadas da imprensa de Mato Grosso não tenha entendido direito a crítica de Mainardi. Chegaram ao cúmulo de acusar o sujeito de adotar receituário petista. Confesso que não costumo acreditar no que Diogo Mainardi escreve. O último jornalista que fez isso, aliás, quase foi expulso do Brasil. Mas não vamos exagerar, não são corretos ataques levianos: petista ele não é. Nem parece ser.
É claro que Diogo Mainardi não fala a verdade quando diz que até pagaria trinta dinheiros para não ter que ir a Cuiabá. Duvideodó. Ele só me convence se colocar a grana na minha conta, virgem de um depósito com cinco dígitos. Por trinta dinheiros, talvez acrescidos dos juros de 126 toalhas brancas por dia, aposto que ele falaria sobre luta-livre midiática até na Namíbia, aquele país cuja capital é tão limpa que nem parece africana.
Pelas capas da Veja
Também é claro que o projeto de vida do Diogo Mainardi não é mesmo colocar os pés em Cuiabá. Mas é tão importante garantir sua livre expressão como o seu direito de ir e vir onde for mais conveniente. Depois desse artigo, eu obviamente desaconselharia o colunista a visitar a cidade. Pés que freqüentam tênis e botinas (adversários políticos, o ex-governador Dante de Oliveira, do PSDB, identifica-se com o primeiro tipo de sapato, o atual, Blairo Maggi, do PPS, com o segundo) podem lhe proporcionar algum incômodo no traseiro.
Pensando friamente, no entanto, eu também tenho o direito de não querer colocar os pés numa cidade distante da minha realidade, ainda mais se ela registra canícula de 40 graus toda semana. Pois isso era tudo o que eu sabia sobre Cuiabá antes de conhecê-la. Eu só sabia que era longe e que era quente. Mais nada.
Eu nasci na região mais rica do país, na parte mais desenvolvida, segundo o IBGE. Cariocas ou mineiros que sabem alguma coisa sobre Cuiabá são iniciados. A Folha de S.Paulo, vira-e-mexe, erra em 800 quilômetros e equivocadamente se refere à capital ao sul, Campo Grande. Além do estereotipado tripé ‘índio-jacaré-onça’, o brasileiro que se pauta pelas capas da Veja sabe hoje que Mato Grosso tem soja. Mais nada.
Não li e não gostei
Pelas limitadas informações que eu tinha de Cuiabá, portanto, era possível formar um conceito de lugar abominável, a sucursal do inferno. Minha sorte é que sou menos preconceituoso que o colunista, daí que pude conhecer a cidade – e hoje sentir saudades dela. Existe um real e recorrente problema em Diogo Mainardi, que é o preconceito explícito travestido de polêmica.
Joseph Goebbels já ensinou que preconceito não se cria, mas se fomenta. Diogo Mainardi sequer foi inédito dessa vez, mas repetiu a si mesmo (é, ele tem um ego enorme). Em 2002, ele escreveu que se um vulcão destruísse a Itália atual, os herdeiros dos renascentistas, de tão medíocres, reconstruiriam o país ‘com a dimensão cultural de Cuiabá’. Isso pode parecer engraçadinho ou polêmico para um cearense, mas não é. É difusão do conceito de superioridade cultural, ou o viés nazista de Diogo Mainardi.
A cuiabania se irritou e, a julgar pela quantidade de artigos publicados na imprensa regional, deve ter enchido a caixa de mensagens da Veja com protestos. Mal sabem que tanto a revista quanto o colunista colecionam essas manifestações como bônus. Nesse caso, a ignorância parece ser mais valiosa que a indignação. Por fim, saliento que o título desse artigo foi copiado de um livro que é a síntese do pensamento de Diogo Mainardi, que não li e não gostei, afinal eu também tenho meus preconceitos.
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Jornalista, Porto Alegre