O artigo ‘HQ & Ideologia: Violência na Turma da Mônica‘, publicado neste Observatório pelo jornalista Dioclécio Luz, levanta aquela velha polêmica sobre a influência dos personagens na formação da personalidade de seu público-alvo.
Poderia ter passado despercebido, mas não para mim, que fui durante muitos anos uma leitora fiel das histórias da turminha. E admito que fiquei um tanto chateada ao perceber a forma pela qual o assunto foi abordado: sob a ótica extrema do politicamente correto e do patrulhamento.
A seguir alguns trechos relevantes do artigo.
‘A Mônica, porém, não é um caso, uma personagem de gibi. Ela é um símbolo. Milhares de crianças lêem a Mônica. E o que estão aprendendo?
1) as coisas se resolvem na porrada;
2) a regra é olho por olho, dente por dente;
3) o bulling deve ser praticado;
3) a inteligência ou a sensibilidade não devem ser usados para resolver conflitos’.
Visão torta e generalista
‘O outro aspecto a se observar na Turma da Mônica é o abuso dos clichês. Pelo menos três personagens são clichês: Mônica, como se viu, a que resolve as coisas na porrada; Cascão, que odeia água; Magali, a comilona. Antes de tudo, note-se que são clichês negativos. Ninguém da turma é conhecido por ser inteligente, criativo, sensível, cuidadoso, gentil, amável, isto é, por qualidades humanas, por virtudes humanas. Na verdade, temos, mais uma vez, o incentivo ao bulling – esses três personagens trazem consigo motivos para discriminação e para serem agredidos pelos colegas.’
O autor também estabelece comparações com outros HQs, como Mafalda ou Calvin.
‘É importante registrar que Calvin e Mafalda são personagens com fundamentos sociais revolucionários; são filósofos – eles fazem o leitor refletir sobre o mundo, sobre a sociedade, o nosso modo de vida, a política, os costumes, e claro, a relação dos adultos com as crianças. A turma da Mônica não tem nada disso. Essa gurizada é extremamente conservadora e moralista. Reproduzem as tradições, os costumes, as modas e modos sociais, sem questionamentos. Talvez por isso, a violência com que a Mônica lida com os conflitos seja uma prática comum.’
E depois de ler esse texto, restou em mim uma certa irritação. Talvez por ver a infância de toda uma geração sendo dissecada de uma forma tão generalista. Desqualificada sobre um pretexto repetitivo que não traz nada de relevante. E sendo alguém cuja infância foi rodeada por TV e gibis, acho que posso falar por mim mesma.
Apelar para esse tipo de patrulhamento é tratar o público como se fosse uma massa com mente vazia e pronta para absorver tudo que lhe for passado sem qualquer espécie de seleção ou reflexão. Significa desqualificar a educação recebida dentro de casa e na escola e demonizar um trabalho de décadas em favor de uma visão torta.
Estratégia e arrebatamento
Como leitora, lembro muito bem dos serviços prestados em favor de causas sobre a infância como o prevenção ao uso de drogas, importância da leitura, solidariedade, respeito por seus semelhantes, meio ambiente, inclusão e diversos temas sobre família.
O nível de violência apresentado nos quadrinhos de Maurício de Souza sequer chega perto dos seriados japoneses de super-heróis mesmo que a maior parte deles ainda tivesse a lição de moral no fim do episódio depois de aniquilarem de forma brutal o monstro do dia.
Não sei qual o grau de envolvimento do autor nessa história, se ele realmente teve contato com o tema ou foi apenas alguém que deu uma folheada leve, captou os clichês e estereótipos da forma mais simplista possível e resolveu escrever sobre o assunto.
Injusto comparar Mafalda, Calvin e Turma da Mônica quando o público-alvo é outro. É simplista dizer que há condescendência da mídia para com esses quadrinhos simplesmente por sua relevância econômica. Perpetuar o espírito patrulheiro do politicamente correto com as lições de moral típicas é esquecer que há mil e uma formas de ensinar o respeito ao próximo. Questão de estratégia e arrebatamento.
Esquecer disso, sim, é um clichê.
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Jornalista, São José do Barreiro, SP