Fim de ano para jornalista é sempre uma época agitada. As redações costumam funcionar em regime de plantão – geralmente com a metade do seu pessoal –, mas o fluxo de matérias não pode diminuir: ao contrário do que muita gente pensa, entre o Natal e o Ano Novo muitas vezes há um acúmulo de assuntos a serem explorados. É nesse período também que o desafio maior das equipes de pauta e reportagem é falar do mesmo assunto de sempre como se fosse uma grande novidade.
Este ano – no meio de um desses surtos de angústia que paira nas redações nas habituais datas festivas – a pauteira Taís Braga e a repórter Conceição Freitas, do Correio Braziliense, tiveram a sorte de encontrar um ângulo novo para falar do Dia dos Namorados. A partir da informação da relação afetiva entre dois portadoras de deficiência, nasceu a pauta que resultou na reportagem que rendeu a Conceição o Prêmio Esso Especial. Taís apostou na pauta e incentivou a repórter a investir na matéria, que leva o leitor a refletir sobre como o amor pode ajudar pessoas que enfrentam a exclusão e o preconceito.
Também como é comum acontecer de as equipes de reportagem saírem para fazer a tradicional cobertura dos eventos de fim de ano e, de repente, surgir um fato novo que muda completamente o enfoque da notícia. Ely Moreira relembra um episódio ocorrido nos anos 70, quando chefiava a reportagem do Globo:
– Sempre preferi o plantão do réveillon. E a turma que trabalhava comigo me chamava de pé-frio, dizia que, nos meus plantões, tudo era possível acontecer, até queda de avião em asilo de velhos. Em 76, estávamos na redação, prontos para cobrir o Ano Novo, quando chegou a notícia de que o Doca Street havia matado a Ângela Diniz. Ou seja, a manchete principal do dia seguinte foi o assassinato da socialite.
Colaboração
Para Taís Braga, o repórter pode ser de grande ajuda para o pauteiro nessas datas, quando os personagens costumam contar muito:
– Eles são o diferencial para se fugir, por exemplo, das cartinhas e festinhas de Natal. Quando o repórter consegue unir a experiência de um indivíduo com a representação simbólica da data, pode render uma boa matéria.
A jornalista diz que, nesta época, procura esquecer as pautas que fez no ano anterior:
– Se a gente olhar para o passado, acaba ficando contaminado e se repetindo. Quero imaginar matérias diferentes ligadas à realidade de hoje, principalmente porque temos que lidar também com as coisas óbvias. Desta vez, teremos a troca de Governo e a decoração oficial está atrasada. Como novidade, vamos falar dos motivos de cada um para se transformar em Papai Noel: ganhar dinheiro, fazer uma criança feliz etc.
Para ilustrar como a cabeça de um pauteiro deve estar arejada para se inspirar e bolar boas matérias, ela conta:
– Veja a história do Sr. Francisco Basílio Cavalcante, faxineiro que achou US$ 10 mil no aeroporto de Brasília. Eu li uma nota num jornal concorrente, chamei um repórter e pedi para ele apurar. Pensei no homem miserável, que nunca tinha visto aquelas notas, em como a vida dele podia mudar. E mudou. Ele conheceu o Presidente da República, andou pela primeira vez de avião, ficou conhecido no Brasil inteiro e ainda ganhou uma promoção. É isso que faz a diferença, de uma notinha chegar a uma grande matéria.
Solidariedade
Roseane Fernandes, editora-chefe do caderno Vida Urbana, do Diário de Pernambuco, diz que o jornal sempre encontra uma maneira de falar do Natal de uma perspectiva interessante, tanto do ponto de vista econômico quanto do cultural:
– Nesta época, em especial, a população vive um clima sentimental muito forte. Então, procuramos abordar esse lado, em atividades como as campanhas para presentear crianças carentes. Aproveitamos que as pessoas são tocadas pelo espírito de solidariedade para realizar boas reportagens.
Solange Duart, responsável pelas pautas da editoria Rio do Globo, concorda: há assuntos factuais em que a imprensa é obrigada a investir e que fazem parecer que a mídia repete a mesma matéria todo ano. Mas afirma que é possível falar de Natal e Ano Novo sem ser repetitivo:
– Há fatos que acabam sendo quase iguais, como a árvore de Natal da Lagoa, a limpeza das praias e o café da manhã do dia 1º… O que procuramos fazer é encontrar personagens novos, curiosos, que possam dar um plus à matéria, bem como o tema em voga na virada do ano, como o do Réveillon da Paz. Nunca nos faltou assunto nesta cidade, onde sempre surgem coisas novas.
E se a pauta traça a linha imaginária da matéria, é o repórter que traça a linha real, diz Solange:
– É ele quem vê o que realmente está acontecendo. O bom repórter sempre consegue ser melhor que a pauta, por não se ater somente ao previsto. Além disso, a pauta muda de acordo com os acontecimentos do dia.
Na hora de pautar, o interesse do leitor vem sempre em primeiro lugar, frisa a jornalista do Globo:
– Levamos em conta o perfil do nosso público. Temos também as notícias que são uma espécie de serviço e as denúncias. Segurança e administração pública, por exemplo, são temas atraem nossos leitores.
Pauteira de Economia do mesmo jornal, Lucila de Beaurepaire conta que, para esta época, sua editoria se antecipa com uma grande reunião para organizar as pautas do dia-a-dia e as chamadas ‘matérias de gaveta’:
– São tradicionais a análise de mercado, as projeções, o acompanhamento de almoços e coletivas de empresários, o balanço das indústrias… Os correspondentes também mandam muita coisa com antecedência, mas este fim de ano promete ser atípico por conta da mudança de Ministério do Governo Lula, que vai gerar assuntos quentes.
Papai Noel
Todo fim de ano, de acordo com Guilherme Aragão, um dos responsáveis pela pauta do caderno Gerais, o Estado de Minas publica ‘um servição básico, do qual não há muito como fugir’:
– A saída para escapar da mesmice são as reportagens especiais. No réveillon, por exemplo, vamos contar a história de pessoas que mudaram para Belo Horizonte recentemente, de executivos de grandes empresas a pessoas humildes que vieram tentar vida nova na grande cidade. No Natal, algumas famílias vão falar sobre o presente que os símbolos da capital mineira merecem ganhar, como a despoluição da Lagoa da Pampulha.
Guilherme gosta de pautas que são mais críticas na cobertura da administração pública ou que valorizam o aspecto humano:
– Uma boa pauta já é meio caminho andado, mas um bom repórter deve ser capaz de transformar uma pauta ruim em uma boa reportagem. Há uns três anos, um de nossos melhores repórteres, Gustavo Werneck, se fantasiou de Papai Noel e foi ao Parque Municipal, ouvir as histórias das pessoas. Rendeu uma matéria bem bonita.
Gustavo Werneck conta que a idéia partiu do diretor de Redação e se transformou numa das melhores experiências de sua carreira:
– Como não me identificava como repórter, tive que incorporar o personagem sem medo. Não identificamos os entrevistados e eu não podia gravar ou anotar os depoimentos. Ou seja, sem a caneta e o papel, que normalmente são um escudo do repórter, fiquei vulnerável.
No Rio, o repórter aéreo Genílson Gonzaga, do Sistema Globo de Rádio, conta uma história engraçada ocorrida no fim dos anos 80, numa véspera do Natal:
– Estávamos sobrevoando a Avenida Brasil, quando o helicóptero deu problema. Começamos a ficar assustados, procurando um lugar para pousar. Descemos na Praia de Ramos, de pernas bambas, e fomos cercados por crianças que acharam que o Papai Noel estava chegando para distribuir presentes. Elas ficaram frustradas, coitadinhas.