Não. Não fomos fiéis à reprodução da capa do jornal acima. O mosaico sobreposto à foto foi uma ação que partiu da nossa linha editorial em respeito a você, leitor. Um efeito que, em poucos segundos, é possível ser produzido pela maioria dos programas editores de imagem disponíveis nos computadores atuais. Tempo suficiente para preservar virtudes do homem como a dignidade e a ética. Ou para perdê-las.
O cadáver exposto nas bancas da cidade (e que posteriormente será também posto à vista em nossas casas ou na biblioteca próxima) é o maior exemplo da sujeira que insiste em coexistir no jornalismo. É a carne podre vendida como filé a baixos preços para quem tem fome de manchetes sangrentas. Imundície que poderia aparentar o amarelo da covardia – ou do yellow journalism – mas que, no Brasil, é caracterizado pelos tons da imprensa marrom.
Para embrulhar pequi
Na tradução da enciclopédia livre Wikipédia, ‘imprensa marrom é a forma como podem ser chamados meios de comunicação considerados sensacionalistas e que busquem alta audiência e vendagem através da divulgação exagerada de crimes e diversos acontecimentos apelativos’.
O sangue jorra para fora do jornal. Até mesmo a descrição da própria imagem chocaria qualquer um. Cena real que imita os piores espécimes de filmes de terror. Capas que deveriam ser tapadas com tarjas negras assim como se censuram as revistas pornográficas dos olhares inocentes. Sob o argumento de que ‘é isto que o povo quer ver’, despreza-se a inteligência do leitor, que tem suas opções de leitura das notícias do dia niveladas por baixo.
O tratamento digno aos personagens das matérias – que, antes de qualquer classificação dada pelas legendas, são humanos – perde-se no momento em que o mais importante para os editores da imprensa marrom é a comercialização de seus produtos. Uma notícia perecível que no dia seguinte talvez ninguém a leia, mas que, em sua forma material, não passa de um papel-jornal que não serve nem para embrulhar meia-dúzia de pequis no mercado. Se faltou ética na academia – ou ela nunca foi estudada na faculdade –, que a ética da vida venha para educar.
Repetição e esquecimento
Para os maquiavélicos da imprensa marrom, o jovem da foto acima é só mais um desafortunado da violência urbana; só mais um número nas estatísticas. Mas poderia ser alguém próximo a você, desfigurado e pronto para os flashes dos urubus. O culpado nem é quem aperta o botão de disparo da câmera. O delito maior é de quem permite apertar o gatilho das máquinas das gráficas com tais fotos.
Talvez por isso a profissão seja tão desrespeitada – principalmente nas cidades do interior – e tão usurpada por qualquer pessoa que crê que, para fazer jornalismo, basta saber ler e escrever. Ou somente ler, e usar os corretores ortográficos dos editores de texto eletrônicos. Talvez por isso os salários dos profissionais da atividade sejam tão baixos. Ou seja, até esta a causa que acabe motivando alguns a se prostituírem por poucos trocados oferecidos por este jornalismo que dá nojo.
O fato se repete. E, ao mesmo tempo, cai no esquecimento e se torna banal… Algumas vezes, é lembrado em artigos como este, em conversas de botequim, ou quando se entra num veículo que acabou de sair do lava-jato com os tapetes forrados de jornais como proteção aos pés sujos. Ou até que venha a próxima edição.
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Jornalista (www.bemnanet.com.br)