Em reportagens isoladas umas das outras, os chamados jornais de circulação nacional oferecem nas edições de sexta-feira (18/11) um cenário instigante da economia global e da inserção do Brasil nesse contexto. Uma das notícias dá conta de que a agência de avaliação de riscos Standard & Poor's melhorou a classificação brasileira, de BBB- para BBB+, o que foi comemorado discretamente por representantes do governo e do mercado.
Por que a comemoração discreta? Porque a Standard & Poor's errou feio em 2008 e pouco antes, quando não apenas deixou de alertar o mundo para o jogo perigoso com créditos podres que acabou detonando a grande crise financeira, como manteve até o último minuto a melhor classificação de risco para boa parte das empresas e bancos dos Estados Unidos que quebraram na ocasião.
Antes da S&P, as agências Fitch e Moody’s já haviam melhorado a avaliação da economia brasileira, também sem grandes comemorações.
Dia de pânico
Antes da crise de 2008 e 2009, a imprensa tratava essas instituições como verdadeiros oráculos do mercado, sacramentando suas manifestações como se fossem dogmas religiosos. Os jornalistas especializados sabem que essas agências de avaliação de risco são associadas aos grandes conglomerados financeiros americanos e que suas análises são feitas exclusivamente sob a ótica do chamado mercado.
Assim, num momento em que os países desenvolvidos enfrentam dificuldades que o mercado associa a gastos excessivos, o risco soberano do Brasil é considerado baixo porque o governo endureceu a política fiscal e atuou rigorosamente contra as pressões inflacionárias.
As agências premiam o esforço do Brasil em continuar se oferecendo como porto seguro para investimentos, uma vez que a crise nos países desenvolvidos reduz as oportunidades globais.
Todos os analistas concordam agora em que os fundamentos macroeconômicos do país são sólidos, mas nem sempre foi assim: se fosse dar ouvidos aos palpiteiros prediletos dos jornais, o governo inaugurado por Luiz Inário Lula da Silva e continuado por Dilma Rousseff teria afundado o Brasil nas mesmas incertezas que afetam a economia internacional.
Apenas para ilustrar: este observador estava exatamente em Wall Street, no dia 15 de setembro de 2008, uma segunda-feira, por volta do meio-dia, quando o pânico explodiu nas centenas de empresas financeiras da região e a rua começou a se encher de pessoas desesperadas. Entre os cartazes que apareceram quase instantaneamente na rua havia um que chamava atenção. Dizia assim: “S&P = fraud”.
Trabalho escravo
O governo, os investidores e o cidadão brasileiro têm, mesmo, o que celebrar no momento em que o Brasil se destaca positivamente no delicado cenário da economia internacional. No entanto, há outras notícias nos mesmos jornais informando que nem tudo são flores e bons empregos, quando se comemora o ingresso de investimentos estrangeiros.
Veja-se, por exemplo, o caso da espanhola Zara, multinacional do setor de confecções, que reconhece ter utilizado mão de obra escrava em suas oficinas no Brasil. Observe-se também as dificuldades do grupo indiano Tata para se instalar na região de Campinas, por conta de complicações na adaptação à legislação brasileira de proteção ao trabalhador.
Também está nos jornais, na sexta-feira (18), a notícia de uma grande operação de fiscalização do Ministério Público do Trabalho em praticamente todas as empresas de distribuição de energia, por conta de fraudes que tornam precárias as condições de mais de uma centena de milhar de trabalhadores terceirizados.
Mas o caso mais grave e extenso tem como ponto central as empresas coreanas instaladas mais recentemente no Brasil. Por conta do que a imprensa chama de “conflitos culturais”, essas empresas têm sido acusadas de abusos que, segundo seus dirigentes, não seriam considerados ilegais em seu país de origem.
Gigantes corporativos como Samsung, LG e Hyundai são acusados de promover regimes extenuantes de trabalho e processos de produção repetitivos, em posições que desafiam a ergonomia, e de infligir tratamento humilhante e até mesmo agressões físicas aos trabalhadores. A rotina nessas empresas é a dos gritos, palavrões e maus-tratos, condições que a cultura brasileira não aceita.
Segundo um estudo do Centro de Saúde do Trabalhador (Cerest), citado pelo jornal O Estado de S.Paulo, muitos dos empregados da Samsung são jovens que apresentam “lesões degenerativas relacionadas à velhice”, como problemas ósseo-musculares que os impedem de fazer movimentos normais nos braços e pescoço, como se fossem idosos.
São fatos gravíssimos que exigem da imprensa um cuidado maior ao noticiar os grandes investimentos estrangeiros no Brasil. Antes de reverenciar o mercado, defendendo, por exemplo, o fim de benefícios trabalhistas, os jornais deveriam atentar para o bem-estar da sociedade.
Como já dizia o Pasquim, quem se curva ao opressor expõe o traseiro ao oprimido.