Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A voz e a vez do Brasil na terra do Tio Sam

Veiculado obrigatoriamente por nossas emissoras de rádio, o noticiário A voz do Brasil tem o papel fundamental de levar as principais notícias do país aos quatro cantos de uma nação que, apesar de suas dimensões continentais, está unida por um só idioma – o que muitos consideram o verdadeiro ‘milagre brasileiro’. Atravessando a fronteira, rumo ao Norte, encontraremos nos Estados Unidos o Brazilian Voice, um outro ‘milagre’. Um jornal feito para os brasileiros que vivem naquele país e que têm o nosso idioma como sua principal identidade: é a ‘voz dos brasileiros’ na América do Norte.

A história do Brazilian Voice se confunde com a história de 1,5 milhão de compatriotas que vivem nos Estados Unidos – a estimativa é do BV, pois nem o Consulado Brasileiro sabe precisar o número. O semanário – que sai às quartas-feiras, com 55 mil exemplares – tem papel importante, agindo como elo entre brasileiros espalhados por seis estados da Costa Leste dos EUA. Além de ser fonte de informação, o Brazilian Voice tornou-se referência e uma espécie de central informal de atendimento ao imigrante. Os leitores telefonam para o jornal por um sem-número de motivos, desde a busca do telefone da pizzaria do bairro até a data da próxima missão itinerante do Consulado. Muitas vezes, quando necessitam de uma orientação ou um atendimento, os leitores ligam para o jornal antes de telefonar para a polícia, por exemplo.

O BV foi criado pelo mineiro Roberto Lima em 1988, quatro anos depois de sua confusa chegada aos Estados Unidos. Assim que desembarcou, em abril de 1984, ele foi preso pelo Serviço de Imigração ainda no aeroporto JFK:

– Consegui um defensor público que convenceu o juiz de que eu não vinha aos Estados Unidos para trabalhar. Três dias depois eu estava em liberdade. Foi um despertar um tanto rude, mas que me preparou para a peleja que vive todo imigrante ilegal neste país – conta Roberto, por e-mail.

O que o meritíssimo não sabia era que este açucenense, nascido no distrito de Pedra Corrida, ia mesmo trabalhar, e muito. Lavou pratos, foi garçom, servente de pedreiro e encarregado de um depósito de muambas eletrônicas vindas da Ásia. Uma tarde, bebendo com amigos brasileiros, alguém comentou o fato de que muitos ali só haviam sabido da morte de Tancredo Neves muitos dias depois do fatídico 21 de abril de 1985. Entre uma cerveja e outra, Roberto Lima anunciou que fundaria um jornal para evitar esses atrasos de informação. Ia se chamar Brazilian Voice, a ‘voz dos brasileiros’, afirmava. No dia seguinte, um dos amigos, a caminho do trabalho, encontrou uma máquina de escrever numa lata de lixo em Nova York. De volta a Newark, no estado de Nova Jersey, no fim do dia, levou a engenhoca até o apartamento de Roberto com um ultimato: ‘Aí está! Pode começar o seu jornal’.

– Eu não poderia decepcioná-lo. Nascia ali o Brazilian Voice – lembra Roberto.

Tudo ou nada

O primeiro número saiu em agosto de 1988. Como se diz no Brasil, Roberto ‘jogava nas onze’. Escrevia o jornal inteiro, corria atrás de clientes e fazia a distribuição, percorrendo de carro as colônias brasileiras de quatro estados norte-americanos:

– Quando eu retornava a Newark, tinha que começar tudo de novo. Felizmente, a dificuldade é do mesmo tamanho da facilidade. Os primeiros números foram mensais. Depois, passamos seis meses com edições quinzenais. Só então fui para o ‘tudo ou nada’ das publicações semanais. Sobrevivemos, o jornal, eu e o diagramador que se encarregava da montagem e da confecção dos anúncios.

No ano seguinte, o BV já era considerado o maior veículo de comunicação em língua portuguesa das comunidades residentes nos Estados Unidos e uma referência para os brasileiros, a maioria deles vivendo na clandestinidade. O jornal tem cobertura nos diversos pontos de comércio brasileiro em seis estados norte-americanos – Nova Jersey, Nova York, Massachusetts, Filadélfia, Connecticut e Delaware –, onde é distribuído gratuitamente:

– Só em Nova Jersey, temos mais de 400 pontos de distribuição.

Existem outros veículos brasileiros nessa região dos EUA. Roberto diz que nascem e morrem jornais quase todos os dias, mas salienta a consistência e o profissionalismo, ao longo dos anos, do The Brasilians, de Nova York; e do Brazilian Times, de Somerville, Massachusetts. Ele lembra ainda que cada colônia estrangeira tem seus meios de informação, geralmente na língua de origem – os bilíngües são minoria:

– Entre os maiores jornais, está o El Diario, jornal latino de Nova York, com tiragem diária superior a 55 mil exemplares. Em Newark, existe também um jornal em língua portuguesa, o Luso-Americano, fundado em 1928. O Brazilian Voice surgiu mirando-se nele. São dois bons exemplos a serem seguidos.

Credibilidade

O que é notícia no BV? Tudo o que envolver brasileiros em terras norte-americanas: exposições, acidentes, shows, mortes, prisões… E, ainda, as notícias do Brasil envolvendo famosos de lá ou de cá, como a visita de Oprah Winfrey a Salvador, que mereceu destaque em recente edição. No aspecto publicitário, Roberto ressalta que somente agora as empresas em território brasileiro começam a despertar para o potencial de mercado dos jornais voltados às comunidades de emigrantes:

– Basicamente, criamos um mercado novo, um pequeno Brasil em dólar e que dá muitíssimo certo. O jornal foi crescendo à medida que acompanhava a trajetória e o crescimento da colônia brasileira. Temos anunciantes que nos prestigiam desde a primeira edição, há quase duas décadas. Muitas empresas nasceram e cresceram junto com o BV. Vejo o Brazilian Voice como um grande veículo dentro desse universo. Trata-se de um jornal respeitado. Temos credibilidade com o anunciante e, muito importante, também com o leitor.

Sem um órgão regulador, os veículos decidiram criar, este ano, a ABI-Inter, em cerimônia que contou com a presença do presidente da ABI, Maurício Azedo. A nova associação é presidida por Roberto, que já prepara o estatuto da entidade que, no futuro, irá desempenhar papel importante para todas as mídias brasileiras nos EUA.

Na redação do Brazilian Voice, só se fala um idioma: o português. Afinal, seus 11 funcionários são todos brasileiros. O jornal conta ainda com colaboradores como os músicos Kledir Ramil – da dupla Kleiton e Kledir – e Gutemberg Guarabyra, além do neurolingüista Lair Ribeiro:

– Na verdade, foram eles que nos escolheram. O Guarabyra e o Kledir iniciaram suas trajetórias de escritores no Brazilian Voice. Temos ainda outro músico fazendo bonito entre nós: o Aquiles Reis, do MPB-4. Na canção ou nas letras, eles formam um time bem afinado. Já o Lair Ribeiro veio depois, e foi um presente que o leitor do BV ganhou. É a estrela da companhia.

O jornal tem também um site bem estruturado e sempre atualizado, que oferece uma emissora de rádio online – a Rádio BV – com programação dedicada à MPB, além de outros serviços, como classificados e agenda. 

Retração

Os atentados de 11 de setembro, segundo Roberto Lima, provocaram uma grande retração de mercado para os brasileiros nos Estados Unidos:

– A visão do norte-americano foi mudando com relação aos estrangeiros que estão neste país. Vivíamos um momento de grande exuberância naquele período pós-Bill Clinton e o mercado se retraiu excessivamente com os atentados terroristas. Aliás, não apenas o mercado retraiu, as pessoas também se fecharam. O Congresso, que cogitava uma espécie de anistia para os estrangeiros ilegais, teve que endurecer e mudar o discurso. O projeto virou pó, como as torres gêmeas. Felizmente, bons ventos começaram a soprar para os imigrantes com a recente vitória democrata nas urnas. Muitos brasileiros sem oportunidade no Brasil se fizeram milionários aqui. Não é o meu caso. Mas esta é, sem sombra de dúvida, uma terra que recompensa o esforço, seja ele físico ou intelectual.

Roberto, que não é formado em Jornalismo, mostra-se mesmo satisfeito com as chances que teve – e soube aproveitar – no país das oportunidades:

– Sou um operário da notícia, feliz com a vida que o trabalho me proporciona. Enquanto existir brasileiro vivendo nesta terra, haverá motivo para a existência do BV. Se ser bem-sucedido na vida é trabalhar no que nos proporciona prazer – e ainda ser remunerado por isto –, posso considerar minha história um sucesso. É o que chamam por aqui de ‘sonho americano’, uma história que já nasceu com um final feliz.

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Jornalista