‘A matemática é o pensamento sem dor.’ (Mario Quintana)
Em que pese a cristalina definição acima – do nosso grande poeta e pensador –, entre as mais sérias deficiências que assolam o país continua pontificando a quase geral incapacidade matemática.
Isso ficou, mais uma vez, evidente – em São Paulo – na semana passada, quando fomos agredidos pelas Secretarias municipais de Saúde e de Transportes com um amontoado de números estabelecendo fantásticas comparações entre o número de homicídios na cidade e o número de mortos no trânsito no período entre os anos de 2001 e 2007.
Esses números foram obedientemente publicados pelos grandes jornais e vociferados pelos comunicadores das principais emissoras de rádio sem qualquer questionamento. Como já foram exaustivamente divulgados, não os vou repetir, aqui, neste meu pequeno espaço. Mas, basicamente, queria mostrar que a probabilidade de ser assassinado, em SP, é a mesma de morrer em acidente automobilístico.
Falta de criatividade e ignorância
O que significa isso? Segundo os gênios que soltaram e analisaram os números, que ‘o aumento da frota, a falta de preparo de condutores e a impunidade elevam mortes’. Segundo este articulista que vos escreve, não provam nada. Uma coisa nada tem a ver com a outra. É o mesmo que comparar o número de mortes no trânsito com o número de pessoas em quem os passarinhos fizeram cocô na cabeça… Perguntem a qualquer estatístico. Pior: no período 2001/7, a frota de veículos aumentou 34% e o número de mortes apenas 9%, o que demonstra exatamente o contrário. Já o número de homicídios, no mesmo período, diminuiu, de quase 7.000, em 2001, para 1.928, em 2007, o que é uma coisa verdadeiramente extraordinária e que me leva a pensar que há, neste dado, algum erro, manipulação ou mentira. Que me provem o contrário.
Há um spot de rádio que me faz desligá-lo, no carro, cada vez que ouço a frase – soturna e idiota: ‘No Brasil, a cada dez horas uma criança é assassinada…’ Como havia outro, há não muito tempo, sobre uma mulher espancada ‘a cada 30 segundos’. São demonstrações de falta de criatividade e de ignorância sobre o que são e para que servem a matemática e a estatística. Certamente não é para ocultar nem mascarar a realidade. Ou não devia ser.
Terrorismo acidental
Também é muito do agrado de publicitários sem imaginação, jornalistas sem preparo e pessoas ignorantes bem-intencionadas usar estatísticas furadas para mostrar como jovens são desmiolados, imprudentes ou irresponsáveis, que mostram que pessoas na faixa de 18 a 35 anos causam o maior número de acidentes de trânsito, são vítimas de violência ou protagonistas de outras tragédias, sem levar em conta que esta faixa etária constitui esmagadora maioria da população economicamente ativa do país. São eles os protagonistas de quase tudo, pombas!
Não é fácil agüentar a carga de besteira estatística que assola o noticiário. Pior ainda é perceber que muito desse terrorismo, mesmo acidental, acaba resultando em restrições à publicidade, por exemplo, pois é bem mais fácil proibir anúncios de cerveja do que analisar corretamente as estatísticas de trânsito.
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Jornalista, professor, escritor e membro do Conselho Superior da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM); dirige o Instituto Cultural da ESPM, em São Paulo.