Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A cobertura de uma efeméride, 200 anos depois


Nas férias de janeiro de 2008, os programas do Observatório da Imprensa na TV serão reprises. Clique aqui para participar da escolha da programação. Vote nos programas que você quer rever em janeiro.


O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (4/12) pela TV Brasil analisou a cobertura da mídia sobre os 200 anos do início da travessia da família real de Portugal para ao Brasil, ocorrida em 29 de novembro de 1808. Os veículos de comunicação deram destaque à data dedicando programas, cadernos e suplementos especiais ao tema. Participaram do programa ao vivo, no estúdio do Rio de Janeiro, Isabel Lustosa, historiadora da Casa de Rui Barbosa, e Alexandre Freeland, editor-chefe do jornal O Dia. O historiador e professor titular da Universidade de São Paulo (USP) István Jancsó participou no estúdio da TV Cultura.


No editorial que precede o debate, o jornalista Alberto Dines comparou a cobertura dos 200 anos da chegada da família real ao Brasil com os festejos dos 500 anos do Descobrimento. Para ele, a cobertura atual está mais animada porque a mídia está conseguindo aproximar o passado do presente. ‘É compreensível: em 1500 o herói foi o acaso, Pedro Álvares Cabral era um fidalgo desconhecido antes da viagem e assim continuou depois da façanha de chegar às nossas costas, a caminho da Índia. Em 1808 havia muitos protagonistas, todos famosos’, avaliou [ver abaixo a íntegra do editorial].


Dines anunciou que até o final do ano serão exibidos mais dois programas sobre os impactos da Corte no Brasil (em 11/12 e 18/12): ‘O assunto é nosso – nos porões de uma das naus que trouxe a Corte, a Medusa, veio uma prensa desmontada e, graças a isso, chegamos à era Gutenberg. Com 452 anos de atraso. E este atraso tem razões que não podem ser minimizadas’.


O primeiro programa enfocará os motivos que levaram a imprensa brasileira da demorar mais de três séculos para publicar o primeiro periódico. O último contará a história de três marcos da nossa imprensa surgidos em 1808: a Impressão Régia, o Correrio Braziliense e a Gazeta do Rio de Janeiro.


Despertar o interesse da sociedade para História


O debate teve início com uma pergunta de Dines ao editor-chefe de O Dia sobre a primeira página de quinta-feira (29/12), que ‘trouxe a fuga da família real para os dias de hoje’. Em uma sobre-capa, o jornal escreveu a manchete ‘Presidente, ministros e empresários fogem para Portugal’ e contou uma fuga fictícia do primeiro escalão do governo do Brasil para a antiga metrópole devido a conflitos com a Venezuela. Logo abaixo, explicou para o leitor a analogia com o fato ocorrido há dois séculos. A intenção era levar o leitor a sentir-se como os portugueses no dia seguinte da partida da Corte. Uma idéia muito original.


Alexandre Freeland explicou que o primeiro passo foi buscar uma cobertura diferenciada, pois jornal é profundamente identificado com o Rio de Janeiro. Inicialmente, foi definido que o suplemento teria o formato de uma revista em quadrinhos e que usaria obras de arte consagradas para contar a história. Ao ler o livro 1808Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil, do jornalista Laurentino Gomes, surgiu a idéia de fazer com que o leitor acordasse com a mesma sensação de desamparo que os lisboetas sentiram com a partida da família real. Então, a equipe buscou elementos da história contemporânea presentes no cotidiano do leitor – como a relação com a Venezuela – para levá-lo a um ‘túnel do tempo’.


Dines questionou se a pesquisadora da Casa de Rui Barbosa sentia ‘inveja’ da imprensa por esta ter despertado o interesse da população para o tema. Isabel Lustosa lamentou os historiadores não tivessem percebido a demanda da população e elogiou a cobertura da imprensa. Para ela, jornalistas e historiadores trabalharam em parceria na cobertura, apesar de terem relações distintas com fato. Os estudiosos teriam um olhar mais profundo e especializado, mas o objetivo dos dois profissionais seria estimular a curiosidade do cidadão para que este se aprofunde no assunto.


A parceria entre jornalistas e historiadores


‘Quanto mais se fala de história do Brasil, melhor para nós’, avaliou István Jancsó. O professor acredita que recolocar a memória na pauta de discussões foi um ponto positivo na cobertura da imprensa, e admitiu ter inveja dos jornalistas por estes trafegarem entre ficção e análise histórica. Freeland comentou que não é tranqüilo flutuar entre os dois segmentos. ‘É o fio da navalha’, ponderou. A empresa editora do jornal avisou aos jornaleiros a respeito da capa porque O Dia concentra a maior parte das vendas em bancas e, por isso, precisava do apoio desses profissionais junto ao leitor. Para ele, a reação dos consumidores do produto foi madura, pois compreenderam a ‘manchete assumidamente mentirosa’.


O suplemento interno, segundo Freeland, foi elaborado com rigor histórico. O jornal solicitou o apoio de professores da rede pública de ensino para definir um formato e uma linguagem que prendessem a atenção dos alunos e, assim, pudesse conquistar também esse segmento. O material teria que ser ‘didático sem ser chato’.


A respeito da forma de apresentar o fato histórico, István Jancsó comentou que só consegue explicar com clareza quem conhece bem um assunto. Um texto em linguagem rebuscada não seria necessariamente bom. Um texto para estudantes do ensino fundamental ou para um leitor sofisticado da universidade precisa ser claro, inteligível e preciso. Para Jancsó, é preciso respeitar o leitor, qualquer que seja a formação dele. O professor não vê como uma dicotomia os jornalistas produzirem material sobre história. O fato é bem-vindo por dar amplitude a uma informação extremamente útil sobre o passado do país, mas sempre será preciso manter um cuidado rigoroso quanto ao conteúdo.


Um telespectador pediu para os historiadores presentes ao debate esclarecerem se a Corte ‘fugiu’ ou ‘transferiu-se’ para o Brasil. Isabel Lustosa explicou que a família real saiu de Portugal tangida pelas tropas do general Junot, que comandava o plano de conquista de Portugal de Napoleão Bonaparte, e pressionada pelos ingleses. István Jancsó ressaltou que o estado português era um só, e o que muitos chamam de ‘fuga’ pode ser lido como uma retirada estratégica para outra parte do domínio português. O professor destacou que a vinda da Corte teve resultados extraordinários para o Brasil.


Lembrar História na Era da informação


Outro enfoque do programa foi a veracidade das informações históricas divulgadas pela mídia. A pesquisadora da Casa de Rui Barbosa avaliou os fatos foram retratados com fidedignidade e comentou que muitos jornalistas buscaram o apoio de estudiosos para checar os dados. Para ela, a velocidade da troca de informação dos meios de comunicação da era digital facilitou a comunicação com historiadores, mesmo os que estão fora do país. Uma vez que as informações básicas foram veiculadas de forma correta e massiva pela mídia, Isabel Lustosa considerou que poderiam ser levantadas outras discussões a partir da vinda da Corte.


Dines perguntou a Isabel, que é especialista em sátira política, sobre a tentativa de levar humor à história através de visões mais caricaturadas de personagens do passado. Para a historiadora, o filme Carlota Joaquina, princesa do Brasil (1995, Carla Camurati) recebeu críticas exageradamente duras, pois a obra trabalhava clichês veiculados pelos cronistas da época. ‘A História pode ser contada de muitas formas, como comédia, como drama, como tragédia’, disse. O filme teve o mérito de despertar o interesse da população para a história, funcionando como um ‘aperitivo’ para que os espectadores buscassem as outras visões do tema.


No encerramento do programa, István Jancsó cumprimentou a todos que estão divulgando a memória do país a quem não tem acesso à informação. Alexandre Freeland disse que está acostumado a refletir mais sobre as falhas do trabalho da imprensa e agradeceu o reconhecimento ao caderno especial de O Dia. Para ele, a função da mídia, sobretudo a impressa, é mostrar a realidade e buscar soluções em conjunto ao provocar o leitor a entender a complexidade dos problemas. Isabel Lustosa exaltou a importância de ‘voltas sentimentais’ ao passado.


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O bicentenário da chegada família real


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 445, no ar em 4/12/2007


Bem-vindos à TV Brasil. Bem-vindos ao Observatório da Imprensa, transmitido ao vivo pela TV Cultura.


Os 200 anos da chegada da família real ao Brasil estão mais animados do que os festejos dos 500 anos do Descobrimento. É compreensível: em 1500 o herói foi o acaso, Pedro Álvares Cabral era um fidalgo desconhecido antes da viagem e assim continuou depois da façanha de chegar às nossas costas, a caminho da Índia.


Em 1808 havia muitos protagonistas, todos famosos. A começar por Napoleão Bonaparte, que mudou o mapa da Europa e de certa forma foi o responsável pela acelerada transformação da Colônia abandonada numa poderosa nação.


A mídia desta vez está conseguindo aproximar o passado do presente. A fuga precipitada da Corte lisboeta ante o avanço das tropas francesas chegou a servir de mote para uma edição simulada do jornal O Dia, em que as lideranças de Brasília fogem para Portugal ante a ameaça de um ataque aéreo de Hugo Chávez.


Mesmo que as efemérides que começaram neste final de 2007 e deverão estender-se ao longo de 2008 sejam mais cariocas, a grande mídia paulista esqueceu as rivalidades e está participando com igual animação desta viagem no tempo.


E não poderia ser diferente: nos 308 anos que vão do Descobrimento à chegada da Corte, a Colônia vegetou; nos 14 anos seguintes nasceu uma nação, nasceu um Império, que um século e meio depois ganharia a alcunha de ‘país do futuro’. E este é um debate eternamente atual.


O Observatório da Imprensa começa nesta edição uma pequena série sobre 1808. O assunto é nosso – nos porões de uma das naus que trouxe a Corte, a Medusa, veio uma prensa desmontada e, graças a isso, chegamos à era Gutenberg. Com 452 anos de atraso. E este atraso tem razões que não podem ser minimizadas.

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Jornalista