Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A corrupção padrão Fifa

Os jornais brasileiros fazem de conta que não é com eles. O noticiário sobre a venda ilegal de ingressos para a Copa do Mundo corre nos telejornais, percorre os programas de rádio e ancora nas páginas dos diários como se fosse um caso comum, desses que frequentam a crônica policial.

Mas a mídia brasileira não havia determinado que o Brasil era incapaz de sediar uma Copa do Mundo “padrão Fifa”? E não era o “padrão Fifa” um modelo a ser seguido até mesmo nas obras do governo?

Pois a imprensa de todo o planeta informa que o chefe da máfia dos ingressos que tem atuado nesta Copa é intimamente ligado à direção da Federação Internacional de Associações de Futebol, a Fifa. Mais grave: é homem próximo da família do presidente da entidade, Joseph Blatter.

A detenção do britânico Raymond Whelan, diretor-executivo da empresa Match, que ganhou da entidade esportiva o direito de negociar os camarotes e ingressos de hospitalidade durante a Copa do Mundo no Brasil, foi preso pela polícia do Rio. A Match é controlada pela Infront, empresa que tem como acionista Phillipe Blatter, sobrinho do presidente da Fifa.

Whelan foi apanhado quando tomava um cafezinho no saguão do hotel Copacabana Palace, sede da Fifa durante o Mundial, ao lado de personalidades internacionais. Segundo as autoridades, ele é o ponto central do esquema de venda ilegal de ingressos que já levou à cadeia uma dúzia de outros protagonistas. O inquérito diz que Whelan chefiava uma espécie de máfia semioficial de cambistas ilegais.

As reportagens da imprensa brasileira e internacional deixam claro que o grupo não apenas faturava com a venda paralela de ingressos destinados a empresas e instituições, mas também é acusado de superfaturar preços de diárias de hotéis e outras despesas.

E o que tem isso a ver com a imprensa brasileira?

Tem tudo a ver, na medida em que o desmascaramento da quadrilha revela o que é, afinal, o “padrão Fifa”, tão incensado pelos jornais quando se dizia que o Brasil não tinha condições de realizar uma Copa de alta qualidade.

Um esquema criminoso

Antes de mais nada, convém fazer um reparo: desde que se iniciou, na arena do Corinthians, a grande festa do futebol mundial, um e outro, entre os mais veteranos comentaristas do esporte, se deslocaram do discurso hegemônico que havia dominado a imprensa – o vozerio do elogio solene ao “padrão Fifa”.

No mais, as manchetes estão nos arquivos para serem garimpadas – o discurso central da imprensa apresentava a Fifa como a entidade privada eficiente e correta, enquanto a parte brasileira – governos e empresas – era sempre mostrada como o lado sujo e desqualificado.

Pois bem: a realidade mostra que a entidade máxima do futebol mundial, uma organização privada sem fins lucrativos, é um antro de corrupção, compadrio e malversações de todos os tipos.

Por mais elaborados que sejam os discursos apresentados nas edições de terça-feira (8/7), tentando deslocar as responsabilidades para empresas terceirizadas encarregadas da negociação de bilhetes patrocinados, não há como ocultar o fato de que, se todas elas estão envolvidas em falcatruas, o esquema é oficial, comandado de dentro da própria Fifa.

Não é por outra razão que algumas federações de futebol, principalmente da Europa, tentaram impedir a reeleição de Joseph Blatter. Mas as suspeitas que vêm há muito tempo pesando sobre seu grupo não foram suficientes para alertar a imprensa brasileira. Durante semanas, meses, antes do início da Copa, o discurso hegemônico era o de louvação à Fifa e críticas a tudo que fosse nacional.

Ressalte-se que a crítica, como as denúncias de superfaturamento de obras, são parte do dever da imprensa, mas tudo foi colocado num contexto em que todo mérito era da Fifa.

O que se tem visto e reconhecido pela imprensa de todo o mundo é que, com a bola rolando, no que depende dos brasileiros as coisas correm bem, da segurança nas ruas à alegria com que os turistas e torcedores estrangeiros têm sido recebidos por aqui.

As más notícias – todas elas, das falhas na fiscalização até o escândalo da venda paralela de ingressos – caem no colo da entidade que controla o futebol profissional em todo o mundo.

Por essa razão, é de justiça repetir a frase de Juca Kfouri, que repercute na imprensa internacional: “Desmascarar a Fifa é o maior legado da Copa no Brasil”.