Nos últimos dias, as perguntas feitas pelos repórteres e as respostas dadas pelos entrevistados sobre a Contribuição Social para a Saúde não poderiam ter sido mais enfáticas e, infelizmente, desinformativas. Em primeiro lugar, assumiu-se inquestionavelmente que o agente da iniciativa de se criar a CSS, tanto na voz dos entrevistadores como nas respostas dos mais diversos entrevistados, era sempre ‘o governo’.
O governo? Pois sim, surpreendentemente, a iniciativa foi retratada nos mais variados meios de comunicação como sendo do governo. Ninguém lembrou que faz praticamente vinte anos que vivemos em uma República com três poderes autônomos e independentes e que a iniciativa foi da Câmara dos Deputados, portanto, do Poder Le-gis-la-ti-vo. E não do governo, que forma o Poder Executivo. Nem se considerou que a votação na Câmara foi apertada, o que torna ainda mais difícil ainda atribuir uma paternidade ‘governamental’ tão óbvia para esta iniciativa. Mas nada disto esteve na pauta dos jornalistas.
A história, contudo, não termina aí. Boa parte dos entrevistados foram os chamados advogados ‘tributaristas’, que, por exemplo, assumiram tranqüilamente que a iniciativa era do governo, e não de uma das Câmaras do Legislativo, não manifestando qualquer preocupação em corrigir o óbvio erro das perguntas formuladas. Isto não deixa de ser surpreendente em se tratando de advogados que se auto-qualificam nos píncaros da sabedoria sobre o assunto e sobre nossa Constituição. Menos ainda se preocuparam em informar devidamente sobre o processo de tramitação de uma iniciativa com esta. A CSS foi vista por estes como um desejo do governo, como exemplo do ‘vício’ do governo em taxar, ou evidência da posição do governo contra a sociedade.
Ingrediente vital da democracia
Mas as distorções não terminam aí, pois manifestações explícitas de representantes do governo, como o vice-presidente e ministros de Estado contra a CSS não foram jamais levadas em conta nos debates. Foram, no máximo, apresentadas como uma surpresa frente à claríssima posição do governo assumida pelo noticiário.
Assim, por razões inescrutáveis, perguntas e respostas tiveram por agente tão e unicamente ‘o governo’, quando a questão ainda nem chegou lá. Tal postura da imprensa e dos entrevistados por ela escolhidos não pode deixar de levar – pelo menos alguns de nós – a uma pergunta que não quer calar: por que? Por que tal confusão? Por que uma informação claramente errada – para não usar eufemismos – é tão insistentemente divulgada, repetida, absorvida por entrevistados, entrevistadores, articulistas e pelo noticiário em geral?
Não creio que seja possível e muito menos necessário ter uma precisa resposta desta questão. Nem me preocupo se há ou não orquestrações, conspirações contra o governo, deste ou daquele veículo de comunicação, porque confio no poder da democracia que o povo brasileiro está construindo, apesar de algumas pesquisas estarem tentando demonstrar por a + b que nossa ‘massa’ tem as piores qualidades cívicas.
Por tudo isso, devemos sim trazer essas distorções à tona, da maneira mais incisiva possível, pois a correta informação é um ingrediente vital da democracia e sobre a importância desse valor não podemos deixar de nos manifestar veementemente, repudiando casos como este de tamanha distorção dos fatos.
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Professor de Ciência Política e de Responsabilidade Social da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ