Estando a trabalho em Belém (PA), passei na banca para ver os jornais locais. Na primeira página do Liberal, o jornal de maior circulação do Pará, o perfil – de corpo inteiro e pouquíssima roupa – de uma mulher informando que ela ‘malhava todo dia’ para conservar a sua silhueta. Nos dias que se seguiram sucederam-se outras mulheres, sempre seminuas, com uma legenda qualquer.
Estranhei. Afinal, em São Paulo, os jornais considerados sérios, não se utilizam deste recurso para vender. Mas eis que a Folha de S.Paulo vem me desmentir. Em plena primeira página de domingo (28/10), o título ‘T.O. em foto de seu book’. O texto da chamada, logo abaixo, diz:
‘Cotidiano. Mulheres comuns pagam para posar nuas em books particulares. Págs. C1 e C5’
Como a notícia é fria – não representa nenhum furo jornalístico ou atualidade a ser divulgada com urgência e destaque –, a motivação da Folha dá o que pensar.
Há menos de dez dias, fomos brindados com outra foto de mulher seminua na capa, remetendo a um espaço interno de matéria sobre moda com anúncios de jeans. A semelhança com Belém começa a saltar aos olhos. Estará a Folha explorando o potencial de venda da imagem da nudez feminina na capa?
No domingo anterior (21/10), mais duas chamadas referentes a mulheres na primeira página. Camille Paglia contestando as feministas, e o juiz mineiro atribuindo às mulheres não só o pecado original, mas todos os males subseqüentes da humanidade.
Visão mercantilista
Não nos faltam teóricas do feminismo e do pós-feminismo da mais alta qualidade. Uma série de eventos de importância para as mulheres se sucederam nos últimos tempos, sobretudo em São Paulo: manifestações de rua pela legalização do aborto, manifestação no dia 28 de setembro (dia da luta contra a mortalidade materna), a Conferência Municipal, Estadual e Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, uma marcha das mulheres do campo sobre Brasília (a Marcha das Margaridas, que reuniu 50.000 mulheres), sem que nenhuma dessas notícias merecesse mais do que uma minúscula nota numa página interna e longínqua. Qual será o critério da Folha de S.Paulo?
A julgar pelas primeiras páginas dos dois últimos domingos, trata-se de usar a mulher da mesma forma que outras mídias têm feito. Explorar a imagem de seu corpo para atrair os olhares masculinos e vender-lhes o jornal; veicular e destacar preferencialmente notícias que fortaleçam o conservadorismo com relação às mulheres. A elas, o caderno de cozinha, de moda e de decoração da casa. E o horóscopo, o tititi da coluna social.
Comentários inteligentes, críticas ao conteúdo, ao recorte ideológico e à seleção das notícias e dos comentaristas – estas não interessam, embora não sejam escassas.
A Folha de S.Paulo parece estar acrescentando, à sua seleção ideológica das notícias, uma visão retrógrada e mercantilista da mulher.
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Psicóloga, pesquisadora do Instituto Opinião