Há alguns dias, milhões de brasileiros ficaram perplexos com as imagens da professora baiana dançando ‘Todo Enfiado’. Após a postagem do vídeo no site YouTube, uma emissora de televisão de Salvador divulgou maciçamente este ‘primoroso feito’, o que fez o fato repercutir no âmbito nacional, tomando um enorme tempo de um programa de TV transmitido para todo o Brasil da mesma emissora a que a TV baiana é afiliada.
Passada a grande repercussão, vários outros fatos e especulações: a professora perdeu o emprego; a banda ‘O Troco’, detentora da música, ganhou fama e a protagonista da história está tentando tirar proveito de tudo isso. Seja seguindo carreira de dançarina sensual – e isso ela faz muito bem –, seja posando para uma revista masculina do jeito que veio ao mundo, como ela mesma admite já ter recebido o convite.
Com toda essa história, as especulações em torno da real cultura baiana começou a (re)surgir na imprensa nacional. Algumas pessoas, inclusive, resumiram a cultura baiana a esses tipos de eventos em que a mulher é vista de maneira promíscua e sem conteúdo.
Palavras nãovoltam atrás
Mas o que dizer de Jorge Amado, com seus romances admirados em várias partes do mundo? O que dizer de Raul Seixas, com a sua ‘Sociedade Alternativa’? O que dizer de Castro Alves? O que dizer de tantos nomes memoráveis da cultura que aqui viveram e ainda vivem? O que dizer da importância da Bahia para a história do Brasil? O que dizer do samba de roda e de tantas manifestações culturais carinhosamente preservadas pelo povo baiano?
Agora, não adianta a mesma emissora de TV que começou tudo isso, que ‘colocou lenha na fogueira’, tentar ‘apagar o fogo com assopro’, o que é quase impossível. Foi essa a impressão que ficou após um apresentador, radialista e comentarista defender, no jornal local soteropolitano, com unhas e dentes, a mulher baiana e a cultura que permeia esse estado. Por que, ao produzir esses tipos de reportagens, não se pensa nas questões éticas do jornalismo e no direito à privacidade do indivíduo, à preservação da imagem que a Constituição brasileira assegura?
O que fica, pelo menos para quem costuma pensar nestas coisas, é a impressão de que a imprensa faz e desfaz, mas que, antes de fazer, pensa primeiramente na audiência e no sensacionalismo dos fatos. Já passou da hora de fazer a diferença! De nada vale sensacionalizar o fato e tentar mostrar que a real intenção não foi esta. O que disse, já foi dito. Palavras não voltam atrás.
Digerindo ‘carniça’
Atitudes deste tipo fazem com que a credibilidade da imprensa regional diminua cada vez mais, fortalecendo, inclusive, de permeio o discurso dos que são contra a obrigatoriedade do diploma para jornalistas. Tantos problemas rondando a cidade, mas os veículos (nem todos) insistem em praticar o sensacionalismo e fazer dele o seu principal norteador. Fatos irrisórios como este, veiculados na grande imprensa, apenas reforçam o desgaste dos profissionais que trabalham para fazer um jornalismo sério e de qualidade. É preciso, acima de tudo, repensar o real papel da imprensa na sociedade.
Quanto à professora, cabe agora tirar proveito da situação e se esforçar para mostrar a verdadeira identidade da mulher e da cultura baiana. Já a imprensa… Ah, imprensa! Se continuar digerindo estas ‘carniças’, pode amanhecer, um dia, na mente das pessoas, confundida com um urubu.
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Jornalista, Salvador, BA