Um fato na semana passada me deixara, eticamente, reconfortado: a resposta altiva e visceral de Dilma Rousseff (PT), ministra da Casa Civil, ao senador Agripino Maia (DEM). O teor do depoimento fez-me reconciliar com algo de grandioso que ainda pulsa nas entranhas de um país, à altura de oferecer ao restante do mundo algo de singular, diferente ou enigmático. Por uma narrativa histórica, mais sinuosa que linear, a construção do ‘imaginário brasileiro’ findou por gerar radicais deformações e, em grau equivalente, assimetricamente, pródigas inteligências.
Eis, porém, que, na tarde de sábado, veio a notícia do falecimento de Paulo Alberto Monteiro de Barros (Artur da Távola, PSDB). Imediatamente, o vigor ético que me proporcionara o depoimento da ministra entrava em choque com o lamento trágico de alguém de cuja vida acabara de se ausentar.
Os dois acontecimentos, além de díspares na sua manifestação (vitalidade x perda), ainda congregavam uma incômoda síntese: o aplauso inconteste à resposta da ministra (PT) e a lágrima incontida pela despedida de alguém digno e admirável, em todos os campos nos quais atuou. Sabedor da trajetória política de Artur da Távola, inicialmente filiado ao PTB, pré-1964, e que, no reencontro com o projeto pela redemocratização, filiou-se ao PMDB para em seguida apostar, pela crença de um avanço, na nova agremiação partidária, o PSDB, o articulista se viu num daqueles intrincados vértices: o referendo, em nome da ética, à ministra e o aceno de uma despedida definitiva àquele que, na política partidária, representava o adversário.
Grandeza entre opostos
Passado o primeiro momento de desconforto, logo senti pleno orgulho, exatamente, por poder, reunir, na minha dimensão subjetiva, duas pessoas que, na cena política, estavam em projetos conflitantes. Nessas horas, aquele que não é movido por ‘verdades cegas’ tem a capacidade de apreciar a grandeza entre os opostos e extrair o que há de virtuoso entre os contrários. A experiência também serviu para testar a profunda aposta na democracia contra as ameaçadoras forças que insistem na pobre perversão da ‘lógica binária’. A concepção matemática, formulada por George Boole, nascido na Inglaterra (1815-1864), ao publicar, em 1854, ‘As leis do pensamento’, obra na qual defendeu que o armazenamento e o processamento de informações têm de subordinar-se a um sistema de ‘relações binárias’, fez avançar o raciocínio das operações do cálculo. Todavia, as efetivas reflexões de Boole, no âmbito matemático, aprimoram o desempenho do cidadão no exercício diário da democracia? Não. A questão é que a riqueza da democracia não pode ser reduzida à binaridade.
A complexidade da dimensão subjetiva do ser humano em muito ultrapassa a frieza dos esquemas matemáticos. Para além destes, há uma instância subjetiva (e relativizadora) que se encarrega de recusar a ‘logicidade fechada’ das abstrações matemáticas, em favor da ‘amplitude espiralada’ das ‘concretudes existenciais’. Estas não são redutíveis a cálculos; aquelas não são capturáveis pela ‘objetividade binária’.
Enfim, este artigo tem o propósito de colaborar para a vivência de uma ‘experiência’ de democracia ‘elástica’ na qual cada um de nós seja capaz de ‘desarmar-se’ de esquemas fechados, em favor da construção de uma sociedade ‘desarmada’ e aberta para a reivindicação do que, efetivamente, representa a aspiração da maioria, sem silenciar os apelos agônicos de segmentos minoritários e marginalizados.
Compreendamos, enquanto é tempo, que democracia não é um modelo no qual a ‘lógica da quantificação’ tem o poder de neutralizar a ‘lógica da qualificação’. Como síntese, meu aplauso à corajosa e ética ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e meu não menos lamento pela morte da exuberante figura humana de Paulo Alberto Monteiro de Barros (ou, popularmente, Artur da Távola).
Se alguma conclusão cabe para este escrito, cabe lamentar o fato de que Paulo Alberto Monteiro de Barros não mais está entre nós, a não ser tudo de bom que nos legou, e reconfortarmo-nos com o fato de que Dilma Rousseff entre nós ainda persiste.
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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ).