Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A pauta e a ‘responsabilidade social’

Ficou claro que o presidente do Jornal do Commercio, o jornalista-empresário amazonense Guilherme Aluísio (mais empresário que jornalista) quis se promover diante da opinião pública e de sua vasta clientela quando propôs à prefeitura de Manaus a criação da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sócrates Bonfim, na tarde de quarta-feira (4/6).

A tentativa ficou mais que evidente em razão do circo publicitário montado pelo empresário na sede da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), quando ele e sua empresa, a SB Imóveis, convidaram toda a imprensa para acompanhar o que eles chamam de ‘atitude de responsabilidade social e preocupação ambiental’.

Logo após o início da reunião entre o empresário e a secretária municipal de Meio Ambiente, Luciana Valente, um pequeno batalhão de jornalistas do Jornal do Commercio e da Rádio Baré tentou ‘invadir’, educadamente, o gabinete da secretária para registrar uma tal ‘assinatura de decreto’ de criação da RPPN – segundo informou erroneamente o mal-informado repórter-fotográfico do jornal destacado para a cobertura.

De forma contida (embora irritado com a falta de noção e educação do grupo, principalmente do tal fotojornalista), tentei explicar que se tratava de um encontro fechado, e que não haveria – não naquele momento – assinatura alguma de decreto de RPPN, até porque este tipo de coisa quem assina é o prefeito, e não a secretária. O que havia naquele instante era a apresentação da proposta do empresário para a implantação da unidade de conservação, ou seja, a primeira de várias etapas para a criação definitiva da área.

O ‘grande evento’

Entretanto, se comportando como se estivessem sendo ‘censurados no direito de informar a população ou de exercer o seu trabalho de liberdade de expressão’, a tropa de elite do jabá amazonense não se deu por vencida e alegou ‘ter sido convidada’ para o fato. Senti uma imensa vontade de perguntar, da forma mais sarcástica de que jamais imaginei ser capaz, quem os havia convidado, já que não houve nenhum tipo de contato entre eles com a assessoria de comunicação da Semma.

Alguns (inclusive, ‘jornalistas’) podem até ter a capacidade de se questionar se haveria necessidade por parte do grupo de contatar a assessoria de comunicação para acompanhar tal fato, já que o local se trata de um órgão público. Mas, antes de tudo, quero lembrar que muitos confundem – principalmente alguns incompetentes que infectam os meios de comunicação – órgão público com ‘terra sem dono’, o que, obviamente, não é verdade.

Após alguns minutos de pressão dos jornalistas para entrar na sala de reunião, a secretária Luciana Valente – uma das criaturas mais pacientes que já se viu – permitiu que o grupo participasse do ‘grande evento’ do dia (meia dúzia de gatos pingados sentados ao redor de uma mesa). Diante do desespero dos jornalistas, fiquei imaginando o tipo de destaque que o jornal daria ao fato. E não me enganei.

Encenação de criação

Na edição de quinta-feira (5/6), o jornal estampou em capa a seguinte manchete: ‘SB Imóveis cria maior reserva ambiental de Manaus’. Pura mentira.

Em primeiro lugar, nada foi criado ainda – o que aconteceu foi apenas a proposta de criação; ainda haverá um processo de análise por parte da Semma, que, em caso de aprovação, será levado para a Procuradoria-Geral do Município (PGM) já que, por se tratar de decreto, necessita base jurídica para implementação. Após estes procedimentos, o decreto será levado para o prefeito, que formaliza a criação da RPPN.

Em segundo lugar, qualquer unidade de conservação na cidade é instituída exclusivamente pelo poder público e jamais por entidades privadas, como é o caso da SB Imóveis, que se apropriou da criação da RPPN, coisa que ainda não aconteceu.

Outro fato marcante do acontecimento: o empresário teve a coragem de pedir que a secretária Luciana Valente aguardasse a chegada de uma equipe da TV Amazonas à sede da Semma, de modo que a encenação da suposta criação da unidade de conservação pudesse ser feita e veiculada em maior escala. Sorte a dele que Luciana é uma pessoa de extrema paciência, tanto que ela foi até mim pedir que ligasse à TV para saber se alguém de lá iria cobrir o tal acontecimento (eles não foram, que pena).

Conversa corporativista

Para fechar com chave de ouro o jabá da semana, o Jornal do Commercio coroou a ação publicitária com um belíssimo editorial, também na edição de quinta-feira (5), onde tentou iludir seus leitores menos atentos com a idéia de uma suposta preocupação ambiental que, pasmem, supera suas intenções econômicas:

‘Ao abrir mão do aproveitamento econômico desse recanto de elevado valor imobiliário, as empresas SB Imóveis e o Jornal do Commercio dão o exemplo maior de que, na relação com a natureza, os valores correntes estão bem acima da simples visão monetária’, dizia o texto, certamente transliterando as idéias marqueteiras do empresário Guilherme Aluísio, presidente do jornal.

Costumo dizer o seguinte: quem tem reais intenções de ajudar algo ou alguém não faz alarde; faz tudo o que tem que fazer na calada da noite, para não chamar a atenção – o nome disso é sinceridade. Um bom exemplo a este respeito disso foi o piloto Ayrton Senna, que sem vontade alguma de ‘aparecer’, realizava ações filantrópicas que ajudavam a centenas de pessoas – coisa que se tornou pública após sua morte, em 1994.

Quem foca os holofotes em si mesmo não é digno de respeito; muito menos quando usa o velho discurso politicamente correto de ‘responsabilidade social e ambiental’. A RPPN é, sim, importante para cidade, mas este tipo de conversa cara-de-pau corporativista entre grupos empresariais e meios de comunicação, não.

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Estudante de Jornalismo, Manaus, AM