Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A súbita paixão de Murdoch por Obama

Certamente eu não tinha o direito de me espantar ontem, quinta-feira, ao ver o principal jornal em rede da Fox News, Special Report with Brit Hume, referir-se ao repentino entusiasmo do magnata Rupert Murdoch, dono da News Corp (um dos cinco maiores impérios de mídia do mundo, ao qual pertence a Fox), com o candidato democrata Barack Obama.

Murdoch falou numa entrevista – em tom de conversa, gravada pelo blog All Things Digital, do Wall Street Journal, talvez o mais importante dos jornais da News Corp (conheça aqui o blog e o texto). Mas foi uma declaração de amor contida. O título poderia ser: ‘Murdoch não apoiou Barack Obama para presidente, mas chegou bem perto’, disse Kara Swisher, do All Things D, ao Tech Ticker da Yahoo! Finance.

Veja o vídeo da entrevista: primeira parte e segunda parte.

O problema, para mim, foi receber a informação num programa ideológico da Fox News. Murdoch, na verdade, só é ideológico quando convém aos interesses de seu império de mídia. Vale lembrar que há algum tempo removeu prontamente a BBC de Londres do seu Sky News (TV por satélite) tão logo o governo chinês avisou que não iria tolerar as críticas feitas à China pela rede britânica de televisão.

McCain fora de sintonia

Obama foi apenas um dos temas. Murdoch acha que ele tem uma boa chance de ganhar a eleição em novembro. O respeito dos americanos pelos políticos e por Washington, disse ele, está atualmente em seu ponto mais baixo. Quanto a Obama, acha que sua imagem cresceu, é hoje uma espécie de ‘astro de rock’, ‘fantástico’. E o republicano John McCain, que parece o queridinho de todos na Fox News?

Para Murdoch, durante a longa carreira no Senado McCain foi forçado a se comprometer demais. Não tem posições firmes, é ‘imprevisível’ e ‘pouco sabe de economia’. O interesse do entrevistado por economia, aliás, é tão grande que em 2007, além de comprar a Dow Jones (levou junto o Wall Street Journal), lançou a Fox Business para derrubar a CNBC, que operava com a Dow Jones.

Murdoch disse que considera McCain ‘patriota’ e ‘um sujeito decente (…) que, segundo parece, não sabe muito sobre como organizar uma campanha’. Então vai apoiar Obama? Ao menos por enquanto ainda não apóia ninguém, quer saber mais sobre os planos de Obama e as pessoas que o cercam. E teve influência para o New York Post apoiar Obama na primária do estado? ‘Tive’, respondeu rindo.

Essa última informação, sobre o Post, corrige algo que escrevi no passado – que o império de Murdoch, em Nova York, apoiara na primária republicana McCain; e, na democrata, Hillary Clinton (cuja campanha para o Senado recebera doação dele em dinheiro – leia aqui sobre isso). Mas a correção talvez seja apenas parcial, se a Fox News tiver apoiado Hillary, como ainda creio ter sido o caso. (Veja abaixo como o Post anunciou em janeiro seu apoio a Obama)

Um fenômeno de verdade

Murdoch é australiano de nascimento e americano por adoção. Naturalizou-se, pouco antes de comprar a Fox, porque a lei exige que dono de concessão de TV seja cidadão do país. Em compensação, duvido que alguma TV nos EUA consiga ser mais patriota do que a Fox. Bandeirinhas tremulam na tela, misturando-se com o próprio logotipo. Sem falar na bandeirinha que cada apresentador ostenta na lapela.

Até por ter a cabeça muito voltada para a economia e ver recessão no horizonte, o chefão da News está convencido de que será esse um tema em destaque na eleição. O americano médio, diz, ‘está hoje sendo realmente golpeado financeiramente, o que vai ajudar Obama’. Ao mesmo tempo, Murdoch encara Obama como ‘um verdadeiro fenômeno neste país. (…) E há um repúdio de 80% aos políticos’.

Um dos entrevistadores fez a pergunta direta – se em dezembro ele pretende votar em Obama. Murdoch preferiu manter o suspense. Alegou que se inclina para ele, mas só saberá realmente nos próximos seis meses. O perguntador quis saber se mais tarde poderia cobrar a resposta. Ele disse que sim, mas observou: ‘Provavelmente você vai ter uma idéia antes, lendo o Post‘.

O papel de Murdoch e seu império cresceu de tal forma nos últimos anos que sua palavra sobre o futuro do jornalismo passou a ser acompanhada com mais interesse. Ele é pessimista em relação a donos de jornais metropolitanos (imagino que a referência é ao New York Times e outros, não ao Post, um tablóide). E se um dia acordasse dono de um jornal metropolitano? ‘Sairia correndo’, respondeu.

Artigos para ler, não para prêmios

Antes ele tinha dito que nos últimos cinco ou seis meses a receita publicitária média do jornal caia 10 a 30%. Continua otimista sobre títulos nacionais como o Journal, comprado há pouco, mas acha que os metropolitanos terão de aceitar margens de 10% em vez de 30%. ‘Alguns vão desaparecer.’ E qual a solução? ‘Publicar artigos que as pessoas ‘querem ler’ e não ‘para ganhar prêmios Pulitzer’’.

Não me parece receita diferente da que sempre o atraiu – crime, escândalo, sexo e celebridades, ao invés de jornalismo de qualidade. Hoje ele tem ainda, além do lixo, o The Times, em Londres, e o Journal. Assim, acha que os desafios aos jornais metropolitanos serão oportunidades para o Journal. Jornais menores provavelmente vão reduzir o jornalismo, disse. Mas alegou que não tem intenção de fazer o mesmo.

Murdoch estendeu-se a respeito de comentários feitos antes sobre reformular o Journal. Ele acha ‘ridículo’ cada matéria envolver 8,3 editores. Também disse que poderá elevar o preço da assinatura, que hoje é em média US$ 125 por ano (a do Times passa de US$ 500). E a idéia de um dia comprar o Times (de Nova York) e fechá-lo? ‘Falei uma vez, só de brincadeira. Mas gente do Times, na platéia, ficou em pânico’. (Leia aqui como o blog ‘City Room’ do Times viu o apoio do Post a Obama e, antes, a Hillary)

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Jornalista