A música – se é que aquilo pode ser chamado de música – foi lançada em 2000. Não passava de um refrão coreografado por mocinhas bonitas de barriga de fora, que virou sucesso nas rádios e emissoras de TV. E acabou tendo o destino de todos os similares de mau gosto: caiu no esquecimento. Mas foi lembrada na edição de sábado (29/3) do Estado de S.Paulo, com o título ‘Funkeiros são condenados por Tapinha: hit incitaria à violência contra a mulher’.
Diz a matéria sobre a decisão do juiz Adriano Vitalino dos Santos, da 7ª Vara Civil Federal em Defesa dos Direitos da Mulher:
‘O tapa não é ato banal e inofensivo, como retratado na música, mas que causa dor física na vítima, além do abalo psíquico decorrente da humilhação que o gesto em si constitui. A garantia constitucional da livre manifestação do pensamento, bem como a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação não pode representar salvo-conduto para a violação de outros valores constitucionais igualmente assegurados.’
Quem se beneficiou com a decisão do juiz? O Fundo Federal em Defesa dos Direitos da Mulher – a quem a equipe de som Furacão 2000 vai ter que pagar 500 mil reais de indenização. O que é esse Fundo, quem o gerencia, que tipo de atividades desenvolve e como usa os recursos de que dispõe, isso a imprensa não esclareceu.
‘Somos as mal-amadas’
Mas há outros beneficiados nessa história: os autores da música e o Furacão 2000 – condenado a pagar a indenização. Beneficiados porque, graças à sentença, acabaram voltando ao noticiário dos jornais e principalmente da internet, onde uma busca simples permite até que se assista ao vídeo com a ‘interpretação’ do sucesso agora esquecido.
O autor da letra – MC Naldinho – ganhou espaço de defesa (como manda o bom jornalismo) e deu a sua versão da história:
‘Não agredi nenhuma mulher com a minha música. A idéia surgiu num dia em que dei um `tapinha corretivo` em minha filha e ela retrucou: `Pai, um tapinha não dói`. Tenho orgulho de ser autor e intérprete de um hit que é muito polêmico, mas que me trouxe muitas coisas boas’ (O Estado de S. Paulo, 29/3/2008).
Embora em matérias curtas, a imprensa fez um serviço completo na cobertura do assunto, abrindo espaço para as entidades feministas se manifestarem.
A coordenadora da Themis Assessoria Jurídica e de Estudos do Gênero (co-autora da ação contra os músicos), falou dos efeitos educativos da sentença: ‘Espero que as próximas músicas tenham mais cuidado no tratamento dispensado à mulher. Uma música não pode incitar à violência’.
A ONG Crioula também gostou da sentença, segundo matéria do jornal O Dia (29/3), que ouviu a sua coordenadora, Lucia Xavier: ‘É cultural achar que toda mulher gosta de ser ofendida na cama. Nós, que lutamos contra isso, somos as mal-amadas. No fundo, retrata relação de violência, de falta de afeto e de respeito’.
O que falta discutir
Enquanto se discute se a punição ao funkeiro é ou não censura, passou despercebida uma frase de sua defesa. A de que fez a música inspirado numa reação da filha de três anos ao levar um ‘tapinha corretivo’.
Um tapinha não dói deve ser a música predileta da torturadora de Goiás, Silvia Calabresi, que, segundo a Veja (2/4/2008) não via mal no que fazia: ‘Eu não achava que estava torturando, mas educando’.
A sentença do juiz de Porto Alegre pode ter sido um exagero, especialmente porque faz muito tempo que a música deixou de ser sucesso. Mas talvez sirva para provocar dois debates na imprensa: o primeiro sobre a liberdade de expressão e, o segundo, sobre a violência, não apenas contra mulheres, mas também contra as crianças.
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Jornalista