Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Agência Carta Maior

MÍDIA & POLÍTICA
Lula Miranda

‘Sem-mídia’ se manifestam em frente à Folha, 15/09/07

‘Cidadãos brasileiros de variados matizes ideológicos e partidários, vindos de várias regiões e cidades do país e agrupados em torno de um movimento auto-intitulado ‘MSM – Movimento dos Sem Mídia’ realizaram, na manhã desse sábado, 15/09, uma manifestação política singular em frente ao prédio do jornal Folha de S.Paulo.

Uma manifestação de caráter político – mas que se pretende político com ‘P’ maiúsculo. Um ato que -, garantem os seus organizadores e participantes – reivindica e cobra, sobretudo e essencialmente, a observância de princípios básicos em defesa da cidadania e do bom jornalismo – aquele tipo de jornalismo que tem compromisso apenas com o pluralismo e com verdade factual e que, há muito, não é praticado nas redações da grande mídia .

Foi uma iniciativa de Eduardo Guimarães, um velho conhecido de jornalistas, ombudsmans e editores dos espaços destinados aos leitores em blogs, sites, revistas e jornais – dizem que Clóvis Rossi, atormentado pela marcação cerrada de E.G., um dia exasperou-se e disse-lhe que iria mandar-lhe de presente uma camisa-de-força. A sua luta solitária, aos olhos de alguns, era sinal de ‘insanidade’. Todos sabemos que, na nossa cultura, a diferença é sempre enquadrada como ‘loucura’, numa tentativa ardilosa de domar ou anular o diferente. Guimarães, e pude conferir isso pessoalmente, não tem nada de ‘desmiolado’.

O pequeno homem contra o gigante da mídia é hoje (re)conhecido pela sua saga obstinada, quase quixotesca, na defesa de um jornalismo plural, que atenda, principalmente, aos interesses dos leitores, e não às pressões e demandas de partidos políticos, governos ou grupos econômicos. Esse ato em frente à Folha, parece ter sido, finalmente, um gesto corajoso, de impacto e desdobramentos imprevisíveis. No que parece ter sido um peremptório ‘basta!’ dado por Guimarães e pelos que, de modo desinteressado, estão ao seu lado nessa empreitada .

Guimarães não é ligado a partidos políticos, igrejas, sindicatos ou movimentos sociais. Não que haja algum demérito em ser ligado a algumas dessas instituições, claro. Mas isso parece tornar mais ‘puro’ o movimento capitaneado por ele – pelo menos na avaliação de alguns de seus integrantes e observadores. Ou seja, livre de tendências ou amarras ideológicas. Assim, o movimento, que ora se agrupa e organiza, não poderá ser acusado de servir ao partido X ou Y ao governo W ou Z.

No evento, que começou por volta das 10h, e, nesse momento, reunia, numa ensolarada manhã de sábado, cerca de duzentas pessoas, pude aquilatar a indignação das chamadas ‘pessoas de bem’ com as imposturas da grande imprensa. Ali estavam homens e mulheres que se dispuseram a deixar um pouco de lado sua confortável e preguiçosa rotina de fim-de-semana, e se dirigiram até a rua Barão de Limeira, no centro da cidade, para manifestar sua indignação em frente ‘jornalão’, utilizado ali como um símbolo.

Alguns confeccionaram (e empunharam) faixas onde se podia ler, por exemplo: ‘Que a mídia fale, mas não nos cale!’, ou ainda, ‘Abaixo a ditadura da opinião publicada. Regulação já!’. Quase todos portavam etiquetas com a inscrição ‘MSM’ estampada no peito, ou, ‘MSM – Contra o império da mentira’. Essas ‘palavras de ordem’ dão indícios do que poderia ser considerado como um ideário incipiente do movimento, como suas principais reivindicações? Isso só os integrantes do ‘MSM’ poderão responder. Pode-se ler o manifesto do grupo, na íntegra, no blog de Eduardo Guimarães. Vale a pena.

Esse manifesto, depois de lido no megafone, foi entregue por Guimarães, por volta das 11h20, na portaria do jornal – não sem uma certa relutância e sob o olhar um tanto constrangido da jornalista Kátia Seabra, da própria Folha, que estava ali para cobrir a manifestação.

Alguns manifestantes diziam, não sem uma pitada de exagero, que estavam ali fazendo história. E que aquele era o primeiro passo de uma longa caminhada. Exageros à parte, o fato é que outros atos já estão previstos para as cidades do Rio de Janeiro e, de novo, em São Paulo. Os próximos alvos parecem ser a Globo e a Abril (a revista Veja).

(Jornalistas e colaboradores de alguns veículos da imprensa alternativa (ou quase) estavam presentes cobrindo o ato: Agência Carta Maior, Caros Amigos, Conversa Afiada, IG, dentre outros)’

Flávio Aguiar

Sai o burro, entra o palhaço, 11/09/07

‘O sucesso externo do governo Lula é evidente, assim como o da política internacional brasileira. No segundo caso, o sucesso é tanto no sentido de se colocar como liderança dos ‘países emergentes’ (ex-terceiro mundo no tempo da Guerra Fria), como no de diversificar a pauta e os campos de exportação no Brasil. Movida mais recentemente a etanol, ambos, Lula e Itamaraty, vêm despertando a atenção mundial. Não que o tema não provoque polêmicas nem mereça esclarecimentos, notadamente sobre se não haverá perdas na produção alimentar, ou se a expansão da cultura canavieira expandirá ainda mais a iniqüidade do sistema social que o latifúndio engendrou no Brasil.

Mas debate e polêmica são umas coisas. Do que se trata na imprensa brasileira é muitas vezes outra coisa. No caso, diante do sucesso e da importância dos contatos internacionais do presidente, sobretudo, tudo se tenta para desqualificar o sujeito desse sucesso. ‘Sujeito’ é uma dessas palavras maravilhosas da língua portuguesa que se amoldam ao contexto com significados antagônicos. O sujeito pode se-lo de uma frase, todo poderoso a exigir a concordância do verbo. Ou pode ser o adjetivo daquele que está submetido a uma situação adversa ou constrangedora. Substantivado, esse segundo ‘sujeito’, sombra daquele primeiro, passa a freqüentar expressões desabonadoras como ‘esse sujeito’, de malquerença e maldizer. Pois é o que se faz com o presidente – de nada mais nada menos do que o Brasil, o nosso Brasil. E se tenta transforma-lo de ‘sujeito’ de uma operação internacional de grande monta para nós e para o mundo todo, nesse ‘sujeitinho’ que com jeito de povo vai ‘nos’ envergonhando pelo mundo a fora.

Muitos colunistas quando se referem a Lula tentam construir a imagem do burro, do ignorante, do que não sabe nada (seja por boa, má ou nenhuma fé). É o zé povinho que o povão ‘botou lá’, pra desgraça e envergonhamento de nossa preclara ‘élite’, a mais excelsa e educada que o mundo já teve. Mas essa é uma retórica que não funciona muito quando se trata de ver o presidente do Brasil bem recebido por dirigentes de países europeus ou outros, que essa élite e seus arautos tanto louvam (e eles – os países, quero dizer, têm n razões para serem louvados) apenas para escárnio e espezinhamento do nosso.

Nessa altura então sai de cena o burro e entra o palhaço, o clown, o que não sabe se comportar, o ‘idéia fora do lugar’ (nada a ver com a teoria do Roberto Schwarz sobre o liberalismo novecentista no Brasil). Vamos a alguns exemplos que, para não se transformarem em genéricos, neste caso terão de ser nominados.

1. Na página de 11 de setembro, o Estadão virtual deu destaque para o (sem dúvida importantíssimo!) fato de que o presidente Lula foi à recepção oferecida pelo rei Gustavo e a rainha Sílvia da Suécia de ‘carruagem’. Conotativamente, o ato protocolar transformou-se em ‘exagero de pobretão’. A reação foi pronta. Na manhã desse mesmo dia, começaram a pingar os comentários – de gente que se escondia atrás da palavra- remendo de ‘Anônimo’. Eis alguns: ‘Os bate-carteiras de Brasília visitam o povo considerado mais honesto do mundo para apresentar o que o Brasil tem de pior: incompetência, ignorância, preguiça, falta de vergonha, desonestidade e falta de visão. Espero que Lula tenha pelo menos aprendido a não jogar lixo no chão, como fez com o papel de bombom no Pará’. Outro, esse diretamente sobre Lula estar numa carruagem: ‘Será que os arreios não lhe machucaram as costas?’. Ainda outro: ‘Ele foi puxando a carruagem?’

2. O próprio texto da matéria, sem entrar em tamanhas baixarias, acabava chamando o presidente de ‘garoto propaganda’ do etanol. Isso é de uma desfaçatez idêntica á dos comentários dos leitores que se escondiam atrás da covardia de se chamarem ‘anônimos’. Confunde o cidadão Lula – que qualquer um tem o direito de odiar, apreciar, criticar, elogiar, etc. , do modo como mais achar conveniente, em público (sob o risco da lei) ou em privado, quando em princípio pode se dar ao direito de extravasar – com o presidente que sim, pode ser criticado, etc. , mas não avacalhado.

3. Ainda outra coisa. Diz a advertência da página de comentários do Estadão virtual que ‘serão rejeitadas mensagens que desrespeitem a lei, apresentem linguagem ou material obsceno ou ofensivo, sejam de origem duvidosa’. E complementa: ‘A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores’. Mas se a página aceita tais comentários claramente ofensivos e os apresenta como anônimos, ela está implicitamente aceitando-os como seus também, além de pelo anonimato incitar que venham outros de igual teor.

4. Já na Folha de S. Paulo de 11 de setembro, o colunista Vinícius Torres Freire extravasou sua identificação do governante. A presença do presidente na Finlândia, onde cobrou responsabilidades dos Estados Unidos quanto à presente crise financeira mundial, é descrita com a seguinte semântica: ‘cena triste’, ‘ordinário vaudeville do oprimido’, ‘bobices’, ‘animador de auditório’. Um tom de desprezo acompanha todo o artigo, materializado na idéia de que o que um governante do terceiro mundo deveria mesmo ter feito era ter dado ‘uma fina e discreta esnobada nos donos do mundo rico’. Algo assim como um verdadeiro ‘príncipe’ saberia fazer. Ao invés disso, a impressão que fica da leitura dessas assacações todas é a de que a nossa ‘élite’ e seus arautos não perdoam ter o povo brasileiro por grande maioria ter enviado para lá o ‘bobo da corte’, o ‘palhaço’ ao invés de algum dos donos do circo. É triste. Ao mesmo tempo risível.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Agência Carta Maior

Veja

Terra Magazine

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