Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Agência Carta Maior


CRENÇAS E TECNOLOGIAS
Carta Maior


Livro debate comunicação, cibercultura e argumentação, 20/6


‘É preciso resgatar a comunicação e suas conexões com o mundo social do
calabouço em que estão sufocadas, sem ceder à tentação de uma hipotética ordem
democrática e participativa. Essa é uma das idéias centrais do livro ‘Crenças e
tecnologias: ensaios de comunicação, cibercultura e argumentação’, de Luis
Carlos Lopes.


Redação – Carta Maior


‘O sociólogo Philippe Breton defende que a informática precisa ser pensada,
fora dos lugares comuns, dos modismos e da lógica dos interesses. Para ele, os
computadores, as novas tecnologias digitais e a internet têm invadido nosso
cotidiano, incluindo nisto as pessoas mais pobres e as mais ricas. Mais do que
uma técnica, sustenta Breton, trata-se de uma forma de pensamento, o pensamento
informacional, que vem se impondo progressivamente em todo vasto mundo das
mídias.


O livro ‘Crenças e tecnologias: ensaios de comunicação, cibercultura e
argumentação’ (EdUFSCar/Sulina, R$ 23,00), de Luis Carlos Lopes, compartilha das
mesmas idéias e procura aplicá-las aos usos da informática e da televisão.
Somando-se ao debate proposto por Breton, Lopes propõe alternativas às posições
tecnofílicas, que ambos consideram hegemônicas.


O texto de Luis Carlos Lopes é resultado de uma pesquisa exploratória das
realidades brasileira e francesa no domínio do uso social dos recursos
informáticos. Além disso, são discutidos os significados renovados do conceito
de ciência, de tecnologia e dos princípios da razão ocidental.


No prefácio, Dênis de Moraes define assim a idéia-chave do livro: é preciso
resgatar a comunicação e suas conexões com o mundo social do calabouço em que
estão sufocadas, sem ceder à tentação de uma hipotética ordem democrática e
participativa. Segundo o diagnóstico do autor, no cenário midiático atual,
mergulhado em imagens e transmissões instantâneas de dados, as interlocuções,
trocas e influências genuínas entre as pessoas perdem consistência e humanidade.
Assim, o vertiginoso progresso tecnológico dos últimos anos não conduz,
necessariamente, a uma melhor comunicação.


O próprio autor apresenta, assim. o livro:


‘A extraordinária evolução dos meios técnicos de comunicação vem suscitando
em toda parte um notável esforço de interpretação. O campo teórico dos estudos
comunicacionais é tão vasto quanto o campo das práticas e das técnicas e
tecnologias. da comunicação. Os signos da polêmica são bem-vindos porque as
diferentes e conflitantes interpretações levam a que se desenvolvam cada vez
mais os conhecimentos sobre o assunto.


Nos três textos que compõem este livro, analisam-se o problema da
cibercultura e as suas relações com a parole, exploram-se a noção da teoria da
argumentação e o dilema da objetividade e da subjetividade nas pesquisas do
campo da comunicação. Trata-se de escritos retirados de um relatório de pesquisa
e de dois artigos. Os três foram escritos entre 2002 e 2004, sendo o primeiro o
mais recente.


Não há a pretensão de se ter resolvido os mil e um problemas do campo da
comunicação. Existem algumas enunciações e proposições teóricas que percorrem o
conjunto do livro. Espera-se que o leitor, concordando ou discordando do autor,
possa usar das investigações e proposições aqui existentes em um projeto de um
mundo mais humano, que conviva melhor com as diferenças e com a pluralidade do
saber. Este lugar utópico é o verdadeiro lugar de quem está longe da burocracia
e dos interesses econômicos que poluem a pesquisa do tempo presente’.’


 


RELAÇÕES CORROMPIDAS
Altamiro Borges


Yeda Crusius e a corrupção na mídia, 18/6


‘O jornalista Marco Aurélio Weissheimer, da Carta Maior, encontrou uma pista
para explicar o tratamento cordial – e tardio – dispensado pela mídia hegemônica
ao escândalo de corrupção no governo tucano de Yeda Crusius. Pesquisando os
documentos que o Ministério Público Federal apresentou contra a quadrilha que
roubou o Detran, ele descobriu que os líderes desta maracutaia investiram na
formação de opinião pública favorável bancando anúncios publicitários nos
jornais gaúchos. Um lobista do PSDB acusado de integrar a máfia diz, numa carta
à governadora, que vários colunistas da mídia comercial foram pagos com dinheiro
do esquema ilícito.


Na página 56 do documento, o Ministério Público é taxativo: ‘O grupo investia
não apenas na imagem de seus integrantes, mas também na própria formação de uma
opinião pública favorável aos seus interesses, ou seja, aos projetos que
objetivavam desenvolver. A busca de proximidade com jornais estaduais, os
aportes financeiros destinados a controlar jornais de interesse regional,
freqüentes contratações de agências de publicidade e mesmo a formação de
empresas destinadas à publicidade são comportamentos periféricos adotados pela
quadrilha para enuviar a opinião pública, dificultar o controle social e lhes
conferir aparente imagem de lisura e idoneidade’.


Colunistas ou mercenários?


O documento não revela quais os jornais ou colunistas que prestaram o serviço
sujo à máfia do Detran. Diante da gravidade da denúncia, o Sindicato dos
Jornalistas do Rio Grande Sul enviou pedido à CPI que apura o caso para que
sejam nominados os profissionais e veículos, ‘pois não é justo que toda a
categoria seja colocada sob suspeição’. Já os jornais estaduais – a rigor,
existem apenas dois, Zero Hora e Correio do Povo – fingiram-se de mortos diante
da grave revelação do MPF. Até agora, a imprensa gaúcha simplesmente nem citou o
trecho do documento.


Além das referências feitas pelo Ministério Público ao braço midiático da
máfia, outro indício do envolvimento de jornalistas aparece numa carta do
empresário Lair Ferst à governadora Crusius. Nela, o lobista tucano diz ser
vítima de campanha difamatória por parte de integrantes da máfia e cita o
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, João Luiz Vargas, e José Antonio
Fernandes. Segundo confessa, a quadrilha ‘conta com uma série de colunistas de
vários jornais que tem remuneração paga por José Fernandes para plantar
notícias’. As investigações da Polícia Federal indicam que Ferst se envolveu
numa briga interna no grupo pelo controle da rapina do Detran.


Colapso da ética no jornalismo


O lamentável, como afirma Marco Aurélio, é que a imprensa nada divulgue sobre
essas relações promíscuas. ‘Apesar de todas essas informações, a mídia gaúcha
decidiu silenciar sobre o tema. Acusados, de forma generalizada, de ter recebido
verba publicitária de integrantes da quadrilha, os jornais do Estado não
publicaram uma linha sequer sobre esse assunto espinhoso’. O mesmo tem ocorrido
na mídia nacional. Mas o ruidoso silêncio não é de se estranhar. Há muito que a
mídia comercial mantém relações corrompidas com o poder, como prova Bernardo
Kucinski no imperdível livro ‘O jornalismo na era virtual – ensaios sobre o
colapso da razão ética’.


Ele mostra que sempre existiu no Brasil uma imprensa ‘marrom’, feita de
matérias compradas e de deturpações grosseiras para favorecer grupos econômicos
e políticos ou simplesmente para vender mais jornal. Cita Assis Chateaubriand,
que ergueu seu império dos Diários Associados com base num jornalismo
inescrupuloso. ‘A corrupção é uma prática sedutora na indústria de comunicação
pelo fato de nela se combinar o poder de influenciar politicamente a opinião
pública com o poder econômico. Nenhuma outra indústria tem essa característica.
É uma prática também comum entre os jornalistas, por sua proximidade no jogo de
influência dos poderosos’.


A corrupção institucionalizada


Para ele, porém, a prática da corrupção adquiriu novos e sutis contornos na
era do jornalismo on-line e do predomínio da ditadura financeira e da
globalização neoliberal. Ela é mais patente no jornalismo econômico, ‘que
estabeleceu relações promíscuas e venais com o capital financeiro. Analistas de
bancos e corretores de valores conseguem ganhos extraordinários nas bolsas ou
mesas de câmbio por intermédio da disseminação de notícias falsas ou
falseadas… Com o colapso da Enron e de outras grandes empresas
norte-americanas na primeira crise da economia virtual em 2002, descobriu-se que
essas empresas faziam pagamentos volumosos a jornalistas de prestígio pela
redação de discursos e relatórios, forma disfarçada de comprar seus
favores’.


A chaga da corrupção nos meios de comunicação e até entre os jornalistas, que
nunca é abordada pela própria mídia, teria ganhado impulso com o neoliberalismo.
‘O projeto neoliberal implantou-se no país comprando votos no Congresso e
vendendo grandes empresas públicas a consórcios formados por meio de acordos
secretos que contaram com recursos dos bancos oficiais e de fundos de pensão,
obtidos às vezes com apoio em suborno. O neoliberalismo consagrou a corrupção
como padrão de negócios e da política. A própria ideologia neoliberal, fundada
no individualismo exacerbado, em sua versão latino-americana, alimentou a
corrupção’.


Lembra que na campanha pela reeleição de FHC, ‘os barões da imprensa se
reuniram com ele em Brasília e fecharam totalmente com sua candidatura. Assim, a
corrupção nas empresas jornalísticas voltou à dimensão institucionalizada e
compartilhada de um grande projeto de classe’. Ele aponta ainda as práticas mais
comuns de cooptação de jornalistas usadas por políticos e empresas. Uma delas é
o merchandising – a propaganda camuflada em programas de entretenimento. ‘O
exemplo mais notável e mais conhecido foi o da organização de uma falsa ONG,
chamada Brasil-2000, pelo presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros,
para pagar jornalistas que pudessem fazer merchandising das privatizações e, por
tabela, da candidatura de FHC’. Como se observa, Yeda Crusius teve um renomado
mestre de Sorbonne.


* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da
revista Debate Sindical e organizador do livro ‘Para entender e combater a Alca’
(Editora Anita Garibaldi, 2002).’


 


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