Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Agendamento e prioridades da mídia

Alguns assuntos são mais midiatizados do que outros. Enquanto dados temas são iluminados pelo holofote das indústrias culturais, outros passam despercebidos. Essa é uma rotina à qual a população em geral não presta atenção, até porque só vem a conhecer os fatos efetivamente noticiados. Trata-se do agendamento da mídia, o modo pelo qual, utilizando critérios de noticiabilidade, como relevância e ineditismo, entre outros, os meios de comunicação (jornalistas e outros agentes comunicacionais) decidem quais assuntos serão trabalhados e entrarão em suas pautas. Por conseqüência, também são fornecidos os temas a serem discutidos na esfera pública, predominando nas conversações entre os consumidores de informações.

Um tópico constante na mídia é o de ataques a seres humanos por cães, em especial da raça pit bull. Quando isto ocorre, o assunto entra imediatamente na agenda. Por vários dias, e até semanas, o assunto é destrinchado pela mídia. Qualquer ato de violência causado por um cachorro pode ter seu espaço nos meios, com discussões sobre castração ou não, defesa de criadores, ataque de pessoas que temem a raça e depoimentos de especialistas, veterinários e vítimas. Somente não conseguem o depoimento do próprio cão. Durante vários dias, o assunto pit bull é trazido ao espaço público. Até que o agendamento mude novamente.

Mesmos fatos, angulações semelhantes

A anorexia é outro dos temas agendados pela mídia. Se há pouco tempo quase ninguém sabia diferenciar anorexia de bulimia, hoje leigos discorrem sobre problemas alimentares nas filas de bancos como se fossem nutricionistas. Este é o lado positivo do agendamento, de trazer à tona uma gama de informações sobre um assunto de pouco conhecimento da população em geral, podendo dar subsídios para uma discussão dos assuntos por parte da sociedade. Também cumpre uma importante função social quando apresenta reiteradamente questões emergentes, de enorme impacto, como o caso da crise dos controladores de vôo. O serviço prestado justifica o agendamento.

Mas o agendamento da mídia também tem seu lado negativo. Ele é muito rápido, dura o tempo necessário para que outro assunto entre em pauta, ou o período que as companhias do setor julgam necessário até que o receptor perca o interesse. Outro problema do agendamento é a super-estimação. Temas banais podem ganhar um destaque injustificado, especialmente ante tantas outras pautas de maior conseqüência que não merecem o destaque das indústrias culturais. Às vezes, na disputa feroz entre os veículos de comunicação para ver qual deles discorre com mais propriedade sobre o assunto agendado – e dessa forma capta mais audiência – a mídia acaba por exagerar nas matérias, caindo no sensacionalismo.

O agendamento de determinados temas pela mídia não é um dado novo. A comunicação tem de se guiar elegendo assuntos a serem cobertos a partir dos critérios utilizados pelas organizações da área. O problema é que o público, não raro, padece diante disso por excesso de exposição, superficialidade ou paranóia criada sobre um tópico. Porém, o pior de tudo é que o agendamento perpassa uma gama muito grande de mídias e de veículos. A multiplicidade da oferta deveria trazer novas abordagens e possibilidades de pauta, mas o que se vê é os veículos, em sua maioria, tratando dos mesmos fatos com angulações semelhantes. Telespectadores, leitores, ouvintes e internautas não sabem onde poderão refugiar-se do feroz agendamento da mídia, esse verdadeiro pit bull raivoso.

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Respectivamente, professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA; e graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela Unisinos