Escrevi neste Observatório artigo questionando o alto grau de padronização da cobertura esportiva, principalmente da futebolística, verificada nos jornais impressos brasileiros (‘A magia da literatura foi abandonada‘, 29/5/2007). Como estudante de jornalismo e assíduo leitor da editoria, não me contento, ou melhor, não me conformo com a vazia abordagem de assuntos ricos, que resulta em enfoques, títulos, chamadas e textos muito símiles. A busca pela pluralidade, pela criticidade, pelos contextos e pontos de vista que tanto objetivamos, ou deveríamos objetivar, na universidade é jogada água abaixo. Nós, futuros profissionais, caímos na desmotivante realidade em que o produto esporte/notícia fala mais alto.
Apenas para ilustrar, no domingo (24/6), Atlético e Cruzeiro se enfrentaram pelo Campeonato Brasileiro. A editoria de Esportes dos jornais de Belo Horizonte, então, girou durante toda a semana em torno dos preparativos do embate entre os maiores times de Minas. Até aí, tudo bem, pois o assunto envolve muita paixão, gera audiência e repercussão. Ingredientes à espera de serem bem explorados é que não faltaram. Fiquei atento para ver se encontrava conteúdos diferentes, narrativas que fossem além da mesmice da escalação dos times, demora na venda de ingressos, dados históricos, expectativa da torcida, dos técnicos, dirigentes e outros fatídicos etcs. Mas, nas edições que li, nada…
Entrevistando jornalistas
E não é muito difícil ser criativo. Por exemplo, já que tanto se noticia a via-crúcis para se conseguir um lugar no estádio, por que um repórter não poderia também enfrentar um dia de fila, como um torcedor comum, disputar o espaço com os mal-educados que a furam, com os cambistas ou com as pessoas que vendem seu lugar? E depois fazer um contraponto com os ingressos distribuídos nas sedes dos clubes para os poucos privilegiados que não gastam mais do que dois minutos para colocar o seu bolso? Um relato na primeira pessoa, opinativo e investigativo, seria muito interessante e, tenho certeza, provocaria muito mais reflexão que noticiar a hora que os torcedores chegaram e a quantidade de gente em frente às bilheterias. Fica a minha sugestão.
No artigo anterior, indaguei se os jornalistas esportivos haviam jogado a toalha. Para aprofundar a discussão, resolvi realizar entrevistas com profissionais de alguns veículos impressos nacionais (Folha, Lance!, Estado de Minas, O Tempo, Hoje em Dia, Revista A+, além de colunistas). Era hora de ter a opinião daqueles que produzem, que vivem o dia-a-dia das redações. Infelizmente, até o momento que comecei a escrever apenas três jornalistas retornaram os meus contatos. Quem é estudante de jornalismo sabe das dificuldades por que passamos, da batalha por uma fonte. O colunista José Roberto Torero agradeceu a lembrança, mas disse não pensar mais sobre futebol. Já Roberto Gini, colunista do site Superesportes e profissional do Estado de Minas, no qual trabalhou nove anos como repórter esportivo, e Eduardo Murta, secretário de redação do jornal Hoje em Dia, se dispuseram a falar.
Paixão e razão
Uma das perguntas foi direcionada ao processo da padronização da produção textual. Minha dúvida é se há alguma determinação editorial para seguir uma fórmula de cobertura ou se os repórteres temem inovar. Rodrigo disse que o que pode estar acontecendo é uma ‘falta de cuidado de quem redige que, por viver a rotina dos clubes há muito tempo, acaba caindo em uma espécie de marasmo’. Segundo ele, editores, repórteres são orientados a buscar um diferencial, ‘seja analisando um personagem, um fato que passou despercebido dos demais, ou a memória de algum evento ligado ao assunto’.
Eduardo sugere duas possíveis causas para a padronização, que ele mesmo ressalta não serem justificativas. A primeira refere-se ao ‘tamanho das equipes, cada vez mais reduzidas em qualquer editoria, combinada com os horários rígidos de fechamento’. A segunda diz respeito à imposição das assessorias de imprensa dos clubes, que determinam quem serão os entrevistados e a duração das entrevistas. ‘O que ocorre é que a mesma declaração que você ouvirá às 18 horas de hoje nas rádios, lerá amanhã nos jornais e assistirá em reportagens nos programas de meio-dia na TV’, comenta Murta. Sinceramente, eu acredito que haja uma certa resistência editorial, mas os repórteres poderiam galgar narrativas melhores.
Ainda há luz no fim do túnel. Mas as saídas apontadas por eles estão em direções opostas. Rodrigo deposita suas fichas na confecção de reportagens especiais, em uma cobertura que passe ‘por uma produção de fôlego, com séries de reportagens e abordagem de temas que não encontram espaço nas demais mídias’. Já Eduardo não está convencido que a editoria de Esportes tenha uma fatia de leitores em busca de matérias densas. Por isso, propõe mais ousadia. ‘Uma das saídas é trabalhar com material considerado frio, geralmente baseado em estatísticas, algum tipo de análise tática específica ou em registros históricos emblemáticos’, analisa ele. Sobre a possibilidade de o jornalismo opinativo ser a força motora das narrativas esportivas, ambos os jornalistas se mostram cautelosos, mas garantem que é possível conciliar paixão com razão.
Que rufem os tambores
Tem que se levar em consideração o fator ‘imediatismo’ do esporte. Os próprios veículos não disponibilizam tempo suficiente para uma apuração satisfatória e sobrecarregam o trabalho nas redações; reflexos da lógica industrial da produção jornalística. Mas isso não deve servir como eterna desculpa. Discordando de Eduardo, deposito toda a minha fé nas grandes reportagens.
Se os leitores da editoria não buscam matérias densas, é porque a eles pouco ainda foi oferecido. Torna-se impossível gostar de algo com que não se tem familiaridade alguma. O esporte oferece contextos variados que poderiam ser reportados com textos atrativos e inteligentes, quebrar com seu contínuo empobrecimento. Se Nelson Rodrigues pudesse ler o jornal da próxima segunda-feira, teria um profundo desgosto e cairia numa baita depressão.
Por coincidência, na última Semana da Comunicação da Universidade Fumec, realizada em maio, o diretor de redação do Estado de Minas e do Correio Braziliense, Josemar Gimenez, revelou que a editoria dos impressos que mais perde leitores é justamente a esportiva. A concorrência de outras mídias, incluindo a internet e os veículos especializados, seria a principal causa dessa constatação.
Josemar afirmou que uma das soluções é a de recorrer a novas narrativas que (re)atraíssem os leitores, incluindo os mais jovens. Ele faz um mea culpa, admitindo que as reportagens detalhadas e contextualizadas deveriam ter mais espaço. No início da semana, o Estado de Minas lançou seu novo caderno de Esportes. As apostas dos seus editores se concentram na opinião, interatividade, projeto gráfico e ângulos inovadores de cobertura. O mesmo veículo publicou uma matéria no dia 17 de junho intitulada ‘Vem aí o novo caderno de Esportes’. Suas palavras são incisivas: ‘O caderno pretende ser mais opinativo, comprando a briga do torcedor e dando mais valor aos personagens do esporte, fugindo cada vez mais da cobertura trivial.’ Que rufem os tambores!
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Estudante de Jornalismo da Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG