Pela repercussão que observei na imprensa, acho que fui uma das seis ou sete pessoas que leram a edição de Carta Capital de 24 de março de 2004. Considerando o país todo. Trata-se de uma entrevista com Carlos Costa, funcionário estadunidense, ex-chefe do FBI no Brasil. Devo dizer que sinto-me um tremendo bobo, após ler tudo aquilo. Mas também, o que se podia esperar? A reportagem de capa é tremendamente fantasiosa. Imagine, caro leitor, que a revista trazia a afirmação fantástica de que o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, foi grampeado pelos serviços secretos do Tio Sam. É claro que, com uma manchete absurda como essa, não haveria razão para alguém com inteligência mediana ler a matéria. Mas, ainda assim, resolvi dedicar meu tempo à leitura.
Entretanto, absurdos ainda maiores estavam descritos na reportagem. Claro que alguns deles nem são mais novidades, como o fato de a DEA e outros serviços de natureza policial dos EUA estarem a subsidiar e, conseqüentemente, a comandar operações da nossa Polícia Federal. Carta Capital insiste nesse tópico desde 1999, imagine!
Mas a maior insanidade que a matéria contém é de outra natureza: acredite quem quiser, o ex-policial disse, literalmente, que a ‘nossa’ mídia, ‘nossos’ meios de comunicação de massa, grandes jornais e redes de TV, são comprados pelo Tio Sam, pagos para divulgarem opiniões favoráveis às ações dos EUA.
Evidentemente que algo tão fantástico, tão absurdo, que poderia rivalizar com livros como Harry Potter, não teria repercussão. Até o momento em que escrevo, quarta-feira, dia 24 de março, 21h39, não vi nenhuma nota na imprensa comentando o assunto.
Claro que a ‘nossa’ imprensa não se dignaria a dar atenção a uma matéria tão desimportante.
E se a ‘nossa’ imprensa não daria atenção a essa matéria, é óbvio que os órgãos governamentais não perderiam tempo, tampouco. Afinal, há um país a ser gerenciado. Deve ser recuperada a auto-estima do ministro Dirceu. Há CPIs a serem arquivadas. Há brigas com o presidente do Supremo a serem apaziguadas e, posteriormente, reiniciadas. Ora, dinheiro para a PF? Qual o quê! Quero o meu Waldomiro! É mais urgente. E, provavelmente, mais agradável.
Bom, encerrando a ironia: a reportagem é muito alarmante. Mas muito mais grave é o estrondoso silêncio que se seguiu. Ora, estamos falando de um possível grampo à residência do presidente do Brasil! Ei, vocês do Planalto, não vão nem se dar ao trabalho de desmentir? O Globo, Estado de S. Paulo, Correio Braziliense, Veja, IstoÉ, entre outros, não vão dizer nada? Nem contra, nem a favor?
A propósito: vi, na verdade, dois comentários sobre a reportagem, num telejornal local aqui de Brasília e num texto de um dos colaboradores deste Observatório. Quanto ao telejornal, somente acessei o canal já no fim do programa, então não sei dizer o que foi comentado. E, sobre a matéria publicada no OI, imagino que seu autor não tenha sido comprado. É bom saber que ainda existem alguns que colocam suas opiniões num patamar acima do de um punhado de dólares.
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Estudante de História da Universidade de Brasília