Entre 50 e 100 nutrizes estiveram presentes num evento batizado como “mamaço” na quarta-feira (18/5) numa galeria de exposição do Itaú Cultural, em São Paulo. O evento, um protesto pacífico, ocorreu poucos meses depois que uma mãe foi impedida de amamentar ali mesmo. Casualmente, ela colocou a queixa numa rede de relacionamentos e, por coincidência, a rede social vinha tirando fotos de mulheres amamentando em nome da moral e dos bons costumes. Foi o estopim para surgir um evento organizado com apoio do próprio Itaú Cultural. As belas fotos de mulheres amamentando estamparam as capas dos sites de jornais da capital e, como era de se esperar, a cobertura ficou no básico sobre o evento: número de presentes, que cada site calculou de um jeito, uma ou outra palavra de manifestantes e só.
Uma pena que nenhum repórter de plantão se perguntou: mas como é mesmo esse negócio de preconceito contra os peitos das mulheres que amamentam? Eu tenho isso? O colega ao lado tem? De onde nasceu isso? Nham nham, teria aqui na redação umas boas fontes para responder essas questões?
Não deu tempo nem para pensar, zarparam os repórteres para cobrir o óbvio. Os colunistas saíram correndo atrás comendo poeira da notícia mal coberta. Alguns, politicamente corretos, defendem o movimento, embora insistam em separar peito com leite de sexualidade. Outros literalmente talharam o leite das colunas, como João Pereira Coutinho, da Folha de S.Paulo, ao comparar direito de amamentar com direito de se masturbar, tomar banho ou fazer sexo em público. Coitado do rapaz, ficou assustado com as belas madonas, entrou fundo no buraco do que não teve e eureka: peito e sexo, algo a ver! Mas o quê, exatamente? Fez uma salada russa do seu quase insight.
Sexualidade primária, fundamental
As militantes enraiveceram-se – a coluna do moço nunca foi tão visitada na vida – mas algumas delas, inconformadas com as comparações bizarras na coluna de Coutinho, enfiaram os pés pelos peitos e insistiram na premissa de que peito amamentando não tem nada a ver com sexualidade. Uma pena. Enquanto não enfiamos o dedo na ferida, ela não cura e a militância deveria saber que peito amamentando não perde sua função sexualizada, que o olhar dos homens para um par de peitos femininos, com ou sem bebê mamando, é um olhar sexualizado e pode ser confuso, mas tão confuso para um homem – embora não seja para todos – ver um peito de fora sendo sugado por um bebê, que ele desate a pensar, sentir, falar ou escrever besteirol infantilizado, mesmo quando tem uma boa formação, uma boa educação, como parece ser o caso do jovem colunista.
Peitos de mulher sempre tirarão homens do sério levando-os para sonhos oníricos de tempos inconscientes. Mais do que isso, e quando entramos nas sombras, um par de peitos amamentando pode causar problemas na vida de muitos casais impedindo o breve retorno da vida sexual ou literalmente levando o sujeito a permanecer sexualmente descomprometido com a – santa – mãe dos seus filhos. Aconteceu com Elvis Presley, por exemplo, e acontece todos os dias. Tudo porque peito é sexualidade, peito mexe com a sexualidade de homens e mulheres e peito é, para a sorte desses bebês que mamam, a primeira grande lição de sexualidade feliz, plenamente satisfatória.
A militância pode e deve promover mamaços, mas que seja de cabeça feita, sem falsos moralismos de que esse nobre gesto é assexuado, como uma pintura bem comportada. Amamentar tem cheiro, odor, prazer de ambos os lados, muita satisfação em esvaziar e ser esvaziada, parece muito com um ato sexual, sim, é sexualidade primária, fundamental, de base, e quem não viveu ou não processou esse grounding da sexualidade humana de algum jeito sofre, se confunde, não consegue ver, ouvir ou conviver com a amamentação de forma espontânea. Nas mulheres, um dos sintomas, triste sintoma, é não conseguir amamentar.
Sem noias, sem perversões
Muitas fobias e transtornos relacionados à amamentação, ao desmame e até mesmo um prolongamento da licença-maternidade, que no Brasil é escandalosamente curta justamente porque não leva em conta as necessidades de aleitamento do bebê, podem ser resolvidos com um melhor entendimento da sexualidade via amamentação. O conhecimento sobre o gesto ancestral que possibilitou a sobrevivência da espécie humana não se encerra no fisiológico. Somos seres culturais, padecemos e temos prazeres intensos via cultura, e nosso caldo psíquico, ainda que rico e esclarecedor, continua sentado no cantinho do castigo moral. É preciso alongar o olhar sobre os bastidores internos do tema. Afinal, entre a visão equivocada de que amamentar é apenas candura assexuada e o nojinho sarcástico de quem não desfrutou das bases da sexualidade humana, há chão a ser percorrido.
O rapaz que escreveu a coluna na Folha não mamou prazerosamente por meses a fio na própria mãe. Posso afirmar isso sem conhecê-lo, sem que ele tenha mencionado, e me arrisco a afirmar porque um homem que mamou prolongadamente em sua mãe não fica tão confuso diante da sexualidade emanada da amamentação. O homem que um dia mamou prolongadamente em sua mãe conhece bem um corpo de mulher, sabe que aquele mesmo par de peitos tem múltiplas funções e vê com naturalidade a função básica, a mais fisiológica dos seios femininos, sem que isso o cinda, sem separar o peito que amamenta do peito que dá prazer sexual. Sem noias, sem perversões.
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Jornalista