Atrelada ao escândalo da censura imposta ao jornalista Jorge Kajuru, a imprensa esportiva brasileira passou por outros momentos turbulentos nas últimas semanas. A demissão do técnico do Corinthians, o argentino Daniel Passarela, e o período que a antecipou, mobilizaram toda a imprensa do setor.
Fatos no Corinthians, costumam dizer os mais experientes, ganham maior proporção e isso é inevitável. A história também ganhou repercussão internacional, claro que principalmente na Argentina, onde o tom das críticas foi mais duro.
Enfim, nos quase dois meses em que esteve à frente do Corinthians, Passarela foi do céu (vitória sobre o Cianorte) ao inferno (derrotas para Figueirense e São Paulo). Durante todo esse tempo, a imprensa esportiva nacional se mostrou sempre muito crítica ao trabalho do treinador, muito mais pela polêmica parceria do Corinthians com a MSI e pelo fato de ele ser argentino do que propriamente pelo trabalho técnico.
No período em que Passarela manteve o time invicto (foram 11 jogos), a maioria dos críticos afirmava que o argentino havia conseguido dar um padrão de jogo aos ‘galácticos’ corintianos. Bastou o empate com o Juventude na estréia do Brasileiro e as duas derrotas já citadas para explodirem críticas ao trabalho de Passarela. Além disso, é importante citar as brigas internas no elenco corintiano. A principal delas, foto de capa de muitos jornais no dia seguinte, do argentino Carlitos Tevez e do zagueiro Marquinhos.
O problema é que, muitas vezes, sentiu-se um tom de crítica mais pelo fato do treinador em questão ser argentino do que ser, na opinião de quem comenta, ruim. A antipatia e a desconfiança (correta e necessária) da imprensa com a MSI, seu chefão Kia Joorabchian e suas transações somente internacionais fomentaram ainda mais as críticas.
Na Argentina, a imprensa esportiva criticou duramente os brasileiros: dirigentes do Corinthians e imprensa brasileira principalmente. No principal diário esportivo argentino, o Olé, conhecido pelas ironias e a forte linha editorial opinativa, expressões como ‘rancor a argentinos’ e ‘perseguição’ foram muito utilizadas.
Num artigo publicado pelo Olé na edição do dia 10 de maio, terça-feira, o ex-jogador argentino de futebol Roberto Perfumo, ex-Cruzeiro, fez duras críticas à imprensa brasileira, à torcida e aos dirigentes daqui. Entre outras coisas, afirmou sentir algo de ‘xenofobia’ nas críticas a Daniel Passarela, Carlitos Tevez e Sebástian Dominguez (o terceiro argentino do elenco corintiano).
Basta de intolerância
Para eles, até mesmo o caso da prisão do zagueiro Desábato, do Quilmes, no jogo contra o São Paulo, por ofensas racistas ao atacante Grafite, há cerca de um mês, foi motivada por perseguição aos argentinos. Nesse caso, na minha opinião, não há nada de perseguição, e sim de justiça e dignidade, que faltou a essa pessoa.
A verdade é que a rivalidade Brasil-Argentina vem ultrapassando realmente a esfera esportiva. Até mesmo no âmbito comercial as relações entre o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Nestor Kirchner, vêm gerando polêmicas.
No caso específico do treinador argentino Daniel Passarela no Corinthians, ao meu entender, se houve um problema não foi com ele, e sim com os milionários jogadores do grupo que não fizeram por merecer o salário que ganham e tiveram atuações pífias. No meio futebolístico, é comum ouvir a expressão ‘jogador que derruba técnico’.
Certa vez, numa conversa com o atual treinador da seleção portuguesa de futebol, Luiz Felipe Scolari, questionei-o se isso existia mesmo no futebol. Com seu jeitão gaúcho, respondeu: ‘Ih, você nem imagina. Chega no treino não corre, fala que está sentindo dores…’.
Se a maioria da imprensa brasileira achou que o treinador argentino foi o maior culpado, isso é um direito inexorável da liberdade de imprensa (que vem sendo constantemente atacada em nosso país), porém, confundir os aspectos técnicos analisados com a nacionalidade do ‘assunto’ é um erro. Dos mais graves.
É preciso que brasileiros e argentinos encostem a cabeça no travesseiro à noite e parem para pensar em tudo que estão fazendo e deixando acontecer. No mundo atual, não podemos deixar que diferenças entre dois países ganhem as proporções que estão ganhando nesse caso. Se não conseguimos nos entender com nossos vizinhos, o que será do nosso crescimento em termos globais?
O mundo já está cansado de radicalismos e intolerâncias. Basta.
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Jornalista